Número 13

Sexta-feira, 4 de outubro de 2002 

"Melancolias, mercadorias espreitam-me." (C.D.A.)

  Eterno

Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002

 

Neste poema, assim como em vários outros textos de Drummond, fica patente sua "filiação" a Machado de Assis.

O diálogo jocoso de Yayá Lindinha foi retirado de um delicioso conto do autor de Dom Casmurro também chamado "Eterno!". Para ler esse conto, clique no link abaixo:
"Eterno!", de Machado de Assis

O bruxo de Itabira é filho ideológico do bruxo do Cosme Velho.

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A outra citação em itálico (Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie
algo como "O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora") é uma frase famosa do pensador francês Blaise Pascal (1623-1662).

                        •
O público brasileiro parece confirmar e admirar o parentesco ideológico entre Machado de Assis e Drummond.

Durante o ano de 1999, a revista IstoÉ promoveu uma eleição dos grandes  brasileiros do século 20 em diversas áreas. A revista indicava 30 jurados que, por sua vez, indicavam 30 nomes, dos quais o público elegia 20. Na categoria Literatura, Machado de Assis ficou em primeiro lugar. O segundo coube a Drummond. Votos impecáveis.

 

 

Centenário do poeta:
31 de outubro de 2002

E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.

Eterno! Eterno!
O Padre Eterno,
a vida eterna,
o fogo eterno.

(Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.)

O que é eterno, Yayá Lindinha?
Ingrato! é o amor que te tenho.

Eternalidade eternite eternaltivamente
                   eternuávamos
                           eternissíssimo
A cada instante se criam novas categorias do eterno.

Eterna é a flor que se fana
se soube florir
é o menino recém-nascido
antes que lhe dêem nome
e lhe comuniquem o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade que se petrifica e
                                     [nenhuma força o resgata
é minha mãe em mim que a estou pensando
de tanto que a perdi de não pensá-la
é o que se pensa em nós se estamos loucos
é tudo que passou, porque passou
é tudo que não passa, pois não houve
eternas as palavras, eternos os pensamentos; e
                                                [passageiras as obras.
Eterno, mas até quando? é esse marulho em nós de um
                                                [mar profundo.
Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos
                                                [afundamos.
É tentação a vertigem; e também a pirueta dos ébrios.
Eternos! Eternos, miseravelmente.
O relógio no pulso é nosso confidente.

Mas eu não quero ser senão eterno.
Que os séculos apodreçam e não reste mais do que uma
                                               [essência
ou nem isso.
E que eu desapareça mas fique este chão varrido onde
                                               [pousou uma sombra
e que não fique o chão nem fique a sombra
mas que a precisão urgente de ser eterno bóie como
                                             [uma esponja no caos
e entre oceanos de nada
gere um ritmo.

Drummond: 100 anos
Carlos Machado, 2002

Carlos Drummond de Andrade
In Fazendeiro do Ar
José Olympio, 1954
© Graña Drummond