Número 33

Segunda-feira, 18 de novembro de 2002 

"E que a hora esperada não seja vil, manchada de medo, submissão ou cálculo." (C.D.A.)

  O enterrado vivo

Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002


Drummond e a pedra no caminho:
caricatura de Alvarus (1941)

Neste poema Drummond oferece mais um exemplo da "estilística da repetição", de que falamos a propósito de "Ainda Que Mal" (boletim n. 31). Se você observar bem, vai ver que o clima de emparedamento e de falta de saída neste "O enterrado vivo" é idêntico ao de "Áporo" (boletim n. 24).

É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.

É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.

É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.

É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.


Drummond: 100 anos
Carlos Machado, 2002

Carlos Drummond de Andrade
In Fazendeiro do Ar
José Olympio, 1954
© Graña Drummond