Décio Pignatari
Caros amigos,
Nascido em 1927, o paulista Décio Pignatari é poeta, ensaísta, publicitário e
teórico da comunicação. Ao lado dos irmãos
Augusto
e Haroldo de Campos, tornou-se um
dos principais formuladores da poesia concreta, lançada em 1956.
Os dois primeiros poemas mostrados aqui, "beba coca cola" e "terra", são do
final dos anos 50, portanto da fase heróica da poesia concreta. Em "beba coca
cola", Pignatari parte de um slogan de propaganda e processa uma desconstrução e
reconstrução das palavras, que vão desaguar em "cloaca". A intenção é
clara: fazer uma paródia crítica, uma espécie de anticomercial.
Em "terra" o poeta se aproxima do debate sobre a questão fundiária — um item
obrigatório nos anos 50 e 60. Neste poema, ele
trabalha com uma série de palavras ou expressões sugeridas
pela palavra nuclear, terra, e pelo contexto da discussão. Então, ali se
encontram trechos como ter a terra, arar a terra, rara terra, terra a
terra. Visualmente, o poema se desenha como a representação aérea de um campo
agricultado. Se quiser voar livremente, também se pode dizer que as letras T, de
terra, na fonte escolhida pelo poeta, lembram cruzes
— as mortes registradas (até hoje) na luta pela terra.
Em "Torre de Babel", Pignatari constrói uma torre de torres conhecidas na
tradição arquitetônica ou religiosa, com direito a alguns ruídos bem-humorados
(tour de force; torre a esmo: torresmo?). Na base da torre, o caos babeliano.
Por fim, vem o poema dedicado à página de janeiro/fevereiro
num calendário concebido por Décio Pignatari para a empresa Philips, em 1980.
Aqui confunde-se o trabalho do poeta com o do publicitário. Pignatari é sempre
citado como o criador da marca "Lubrax", entre outros feitos no plano da
propaganda comercial.
Naturalmente, essa indiferenciação entre poesia e publicidade é vista por alguns
com restrições. Mas o calendário Philips não é a única peça do gênero
incorporada à poesia de Pignatari. Ele também publicou entre seus trabalhos
poéticos o anúncio que fez para um produto farmacêutico chamado "Disenfórmio"
(1967). Vale dizer que cada poema do calendário é acompanhado da foto de uma
atividade artesanal, à qual está ligado. O poema de janeiro/ fevereiro mostra
uma mulher tecendo um tapete (ou algo similar) com algo que parece fibra
vegetal. "É a língua têxtil", diz Pignatari. Texto sem palavras.
Vale lembrar que parte da obra de Décio Pignatari envereda pela semiótica pura.
Não tem palavras, nem texto. São sinais
— em alguns casos figuras geométricas ou desenhos
— articulados para criar uma semântica específica
para o poema. Essas peças seria difícil reproduzir aqui.
Um abraço,
Carlos Machado
NOTA
O poeta Décio Pignatari faleceu no dia 02/12/2012.
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JORNAL LITER�?RIO
O Suplemento Literário de Minas Gerais, jornal mensal publicado pela
secretaria de cultura do Estado mineiro, é uma publicação tradicional no país.
Fundado em 1969 pelo ficcionista Murilo Rubião (1916-1991), autor de obras como
O Ex-Mágico e O Pirotécnico Zacarias, o Suplemento
encontra-se agora em nova fase. Dirigido pelo poeta e ensaísta Fabrício Marques,
o jornal, em formato tablóide, publica prosa e verso de autores novos e
consagrados de todo o país.
Para conhecer melhor a história do
Suplemento, clique no link.
Se você quiser receber o jornal, mande um e-mail para:
suplemento.sec@mg.gov.br
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OFICINA DE POESIA
Esta é uma dica somente para quem está em Salvador, Bahia. A poeta Maria da
Conceição Paranhos está orientando exercícios poéticos nos próximos dias 26/11,
03/12, 10/12 e 17/12, sextas-feiras, das 18:00 às 22:00 horas no Centro
Empresarial Canela. Se você se aventura na escrita de poesia, confira. Detalhes
pelo fone 235-6002.
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Texto com e sem palavras
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Décio Pignatari |
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beba coca cola (1957)
l
terra (1956)
l
torre de babel (1960)
TORRE DE BABEL
TORRE DE BELÉM
TURRIS EBURNEA
TOUR EIFFEL
TOUR DE FORCE
TOWER OF LONDON
TOUR DE NESLE
TORRE DI PISA
TORRE A ESMO
ENEREATLRIE
TBOIOCRDEFO
EARREEDBTSF
RRUSIOSOEEO
OTEBEDTTALO
ULORBTEOAOF
ROOSLNRRETE
MNPDERFRRLM
ETDEUWEREIN
URUD
l
JANEIRO/FEVEREIRO
Calendário Philips 1980
Nem só a cav
idade da boca
Nem só a língua
Nem só os dentes
e os lábios
fazem a língua
Ouça
as mãos
tecendo a língua
e sua linguagem
É a língua
têxtil
O texto
que sai das
mãos
sem palavras
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