Ricardo Aleixo
Caros amigos,
Nascido em 1960, o belo-horizontino Ricardo Aleixo é um homem de sete
instrumentos. Poeta, músico, produtor cultural e artista plástico, ele já lançou
cinco livros de poesia: Festim (1992), A Roda do Mundo (em
parceria com Edimilson de Almeida
Pereira, 1996), Quem Faz o Quê? (1999), Trívio (2002) e Máquina
Zero (2004).
Com sua vocação multimídia, Ricardo Aleixo organiza exposições e espetáculos e
ainda integra, como compositor e performer, a Sociedade Lira Eletrônica Black
Maria e a Cia. Será Quê? Apesar de atacar em frentes artísticas tão diversas,
ele não esconde que sua grande paixão é mesmo a poesia.
Discípulo confesso dos poetas concretos, especialmente de Augusto de Campos,
Aleixo é também um artista gráfico. Seus dois livros mais recentes, Trívio
e
Máquina Zero, contêm primorosa programação visual, também urdida pelo poeta.
Para este boletim, escolhi exatamente poemas desses dois títulos. Em
"Paupéria Revisitada", o primeiro texto ao lado, o poeta usa um pouco da verve
herdada de Gregório de Mattos para discutir o lugar do poeta "em nosso belo
quadro social", como diria o sarcástico Raul Seixas. (Não estranhem a
aproximação com Gregório de Mattos: Aleixo é mineiro, mas em Máquina Zero
declara filiação ao baiano Boca do Inferno.)
Em "Rondó da Ronda Noturna", é o poeta concreto quem comparece, colocando o dedo
em duas de nossas terríveis mazelas: a violência policial e o preconceito contra
negros. O poema foi escrito após o conhecido episódio da Favela Naval — em
Diadema, no ABC Paulista, em 1997 —, quando policiais agridem um rapaz negro com
tapas, empurrões, pontapés e palavrões e em seguida o matam. O "Rondó" também
aparece na antologia Paixão por São Paulo, organizada em 2004 pelo poeta
Luiz Roberto Guedes para marcar os 450 anos da cidade.
O poema "Numa Festa" revela outra faceta do autor, atento observador de gentes e
palavras. Fecho a amostra com a "Loa da Menina Deusa", que traz um Ricardo
Aleixo em diapasão lírico. Faltam ainda outras dimensões do poeta, como a do
criador de orikis, gênero poético oral da cultura iorubá.
Atualmente, Ricardo Aleixo anda envolvido com a organização da segunda Bienal
Internacional de Poesia de Belo Horizonte
– BHZIP, prevista para setembro deste ano. Para
acompanhar a preparação da BHZIP e ter mais informações sobre Ricardo Aleixo, dê
uma passada no blog do poeta:
http://jaguadarte.zip.net
Um grande abraço,
Carlos Machado
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Máquina zero
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Ricardo Aleixo |
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PAUPÉRIA REVISITADA
Putas, como os deuses,
vendem quando dão.
Poetas, não.
Policiais e pistoleiros
vendem segurança
(isto é, vingança ou proteção).
Poetas se gabam do limbo, do veto
do censor, do exílio, da vaia
e do dinheiro não).
Poesia é pão (para
o espírito, se diz), mas atenção:
o padeiro da esquina balofa
vive do que faz; o mais
fino poeta, não.
Poetas dão de graça
o ar de sua graça
(e ainda troçam
—
na companhia das traças
—
de tal “nobre condição”).
Pastores e padres vendem
lotes no céu
à prestação.
Políticos compram &
(se) vendem
na primeira ocasião.
Poetas (posto que vivem
de brisa) fazem do No, thanks
seu refrão.
rondó da ronda noturna
q
uanto +
p obre +
n egro
q uanto +
n egro +
a lvo
q uanto +
a lvo +
m orto
q uanto +
m orto +
u m
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NUMA FESTA
Creio ter ouvido certo.
Alguém do grupo junto
à janela pronunciou,
enquanto eu observava,
apenas por fastio,
o deslizar de um peixe
amarelo no aquário, sozinho,
a palavra sodomita.
Nunca a ouvira antes.
Pareceu-me grave — naquele
lugar,
naquele instante e nos dias
seguintes —,
bíblica.
LOA DA MENINA DEUSA
já perto do poente
o cabelo ornado
com invisíveis fios
de ouro
a menina uma
putinha da areia uma
menina deusa
qualquer
inventa a um
simples meneio
dos dedos
um outro sol
e some
rápida
reconvertida
em água
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