Número 124 - Ano 3

São Paulo, quarta-feira, 6 de julho de 2005

«Entre a dor e o nada, fico com a dor.» (William Faulkner)
 


Almandrade


Caros amigos,

O baiano Almandrade persona  artística de Antonio Luiz M. Andrade (1953-) — parece sempre dividido entre as artes plásticas e a poesia. Talvez ele tenha percebido que muitas vezes as formas e as cores não conseguem dizer o que é possível expressar com palavras, e vice-versa. Então, ele pinta, cria esculturas e objetos tridimensionais e escreve poesia. Tudo isso entremeado com sua formação em arquitetura e urbanismo.

Como artista plástico, Almandrade expõe seus trabalhos desde 1972. Realizou dezenas de exposições individuais e participou de outras tantas mostras coletivas. Como poeta, publicou os livros O Sacrifício do Sentido; Obscuridades do Riso; Poemas; Suor Noturno; e Arquitetura de Algodão. Este último, publicado no ano 2000, corresponde a uma reunião dos trabalhos anteriores.

Uma característica central dos poemas de Almandrade é que eles traem a presença do(s)
outro(s) artista(s) que há em seu criador. Os versos são sempre curtos, os textos idem. Em Arquitetura de Algodão, dificilmente um poema chega a preencher uma página de alto a baixo.

Parece também (é apenas impressão de leigo: não tenho a menor condição de dar palpite em artes plásticas) que Almandrade emprega uma estratégia comum em suas múltiplas artes: a economia de meios. Quadros, objetos e  versos são enxutos, como que determinados a extrair a máxima  expressão do mínimo de tintas, de formas ou palavras.

Quatro exemplos desse esforço de concisão verbal são apresentadas ao lado. Todos eles são poemas sem título, outra característica marcante na obra de Almandrade. Aliás, pensando bem, aí está outro traço comum com as artes plásticas e a arquitetura. É como se o poeta colocasse palavras acrílicas sobre o papel. Para que título?

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado





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FLAP LITERÁRIA

Nesta semana, realiza-se a 3a. FLIP, Festa Literária Internacional em Paraty, conforme vocês certamente já leram em todos os jornais. Considerando que a FLIP "tem foco sensacionalista em autores de best sellers e estrelas de televisão", estudantes da USP (Direito e Letras), organizaram o que consideram uma contraproposta: a FLAP. Será um encontro gratuito no dia 16 de julho, sábado. Na programação, debates com professores de literatura, críticos, prosadores e poetas.

Data: 16 de julho, sábado
Horário: das 10h às 18h30
Local: Espaço dos Satyros; Praça Roosevelt, 214 - São Paulo

 

Acrílico sobre papel

Almandrade

 



O percurso dos séculos
espelha rugas
na geografia da pele
e atrai o silêncio
das notas musicais
os que vão nascer
não vão experimentar
o futuro
vão se render
ao presente.
 



Um encontro
de estórias
a escada reta
leva ao vazio
entre
o suor e o medo
um lugar no espelho.
 



Um nome em branco
revela mais de perto
o lugar,
esvazia o drama,
adormece a palavra.
Lembrança congelada
na pele.
Janelas entreabertas,
mas a luz não entra.
 



A professora sai da aula
voa na imaginação
com as asas
coloridas
de uma borboleta
um corpo na transparência
do erótico
um saber na fala
uma arquitetura feminina
como a chuva
molha o desejo
mas a água
           fria
escorre apressada
      foge
por labirintos indecisos
para bem distante.
 



Almandrade — Uma janela para pintura (1997)
Acrílico sobre tela
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2005


Almandrade
In Arquitetura de Algodão (Poesia Reunida)
SCT, FUNCEB, EGBA, Salvador, 2000