Número 125 - Ano 3

São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2005

«Mas o amor não é uma saída./ O amor é um mergulho.» (Francisco Carvalho)
 


Luiz Roberto Guedes


Caros amigos,


Poeta, contista, tradutor, jornalista e letrista de música popular, o paulistano Luiz Roberto Guedes (1955-) publica livros desde 1975, quando estreou com o conto
"É a Guerra, Meu General",
na antologia Contos Jovens
(Brasiliense).

Sua poesia veio a público pela primeira vez na antologia Maus Modos do Verbo, de 1976, escrita com outros poetas, entre os quais Glauco Mattoso. Em anos mais recentes, o poeta publicou obras como Planeta Bicho (FTD, 1996), com poemas para crianças. Em seguida, foi a vez de seu
Calendário Lunático — Erotografia de Ana K (Ciência do Acidente, 2000), uma coleção de poemas em forma de plaqueta.

Em 2004, Guedes organizou a antologia Paixão por São Paulo (ed. Terceiro Nome), que reúne textos de 71 poetas em  comemoração aos 450 anos da cidade. Como tradutor, colaborou com o poeta Claudio Daniel em Geometria da Água & Outros Poemas (2000), Rupestres (2001) e Madame Chu e Outros Poemas (2003), todos com coletâneas de versos do cubano José Kozer. Como letrista de música popular, Luiz Roberto Guedes é parceiro de nomes como Beto Guedes e Thomas Roth.

Dos poemas mostrados ao lado, o primeiro, "Almanárquico", vem da antologia Na Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil, organizada e publicada pelos poetas Claudio Daniel e Frederico Barbosa (2002). Os três seguintes são inéditos cedidos pelo poeta. E "Errata" foi extraído do já citado Calendário Lunático.

Uma característica que salta nos poemas de Luiz Roberto Guedes parece ser a sua visualidade descritiva. Com um indisfarçável pendor para a fotografia, o poeta traça instantâneos com palavras, verdadeiros retratos falados. Um exemplo acabado disso é o texto "Nudista em Revista" que, como o título sugere, resulta da observação da foto de um grupo de nudistas. O andamento descritivo predomina também nos poemas "Tempo de Cometa" e "Ut Pictura Est".

A ironia é outro traço marcante do trabalho de Guedes. É ela que dá o tom no pequeno "Errata" e de "Almanárquico", uma enumeração de esquisitices praticadas por grandes poetas do passado.

Um abraço,

Carlos Machado

 

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Fotografias com palavras

Luiz Roberto Guedes

 


ALMANÁRQUICO

verlaine na prisão escrevia
com um palito de fósforo
molhado em café

rimbaud cultivava piolhos
e forjava brilhos homicidas
com frios olhos azuis

baudelaire tinha cabelos verdes
e nerval passeava um lagostim
pelas ruas de paris |pour épater.
c'est le style, celéstine|

edgar lúgubre poe
mallarmé enigmático
valéry lúcido
trakl drogado

o fantasmário mascarado
baila no sarau do século
e até agora te assombra
poète qualquer, mon frère

 

NUDISTA EM REVISTA

sete naturistas contra o dia azul |quatro homens três mulheres| tableau vivant debaixo do sol |e como estão vivos em praia exclusiva| da direita para a esquerda a primeira mulher |torso franzino seios pequenos| se coloca entre dois homens |o primeiro enlaça sua cintura| ela ergue-se na ponta dos pés |alçando a bundinha à altura da pança do parceiro| e apóia seu braço esquerdo nas costas retas do segundo homem |cinqüentão de traseiro magro e pernas finas| e logo reluz |coroa solar| a segunda mulher |no centro da cena| morena opulenta |postada de perfil| sorriso brilhante ombro dourado um seio iluminado |o bico oculto na sombra projetada pela aba do chapéu da mulher a seu lado| o ventre venusto glúteos e coxas de bronze brunido |solvidos na sombra entre dois corpos| enquanto a terceira varoa tem óculos escuros ombros rendados de luz |coada pela aba do chapéu| e corpo maduro |de alvor imponente| damas desenvoltas que eclipsam os dois últimos homens |figurantes na composição| dois traseiros sedentários dois chapeuzinhos de turista

                                                       
[26.04.2005]
 

TEMPO DE COMETA

o cometa chispa
e já foi embora

flecha cíclica
em fuga elíptica

mais veloz
que o flash
da metáfora

rasga o céu comum
do pensamento
num piscar de
olhos imantados

risca o poema pul
veriza o pulsar em
treva |sem verbo|
queda no silêncio de
palavras sideradas


|entreato
cósmico|

feche os olhos
considere
espere o
próximo



UT PICTURA EST

        os olhos
        recolhem

                          a pomba
                          esmagada

   no asfalto

                          uma asa
                          impressa

brancovermelho

                          sobre preto

o brilho vítreo
a gota límpida

de um
                          olho
                          fixo

 

errata: onde
se lê: eros
leia-se: erros
ou vice-versa
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2005

Luiz Roberto Guedes
• "Almanárquico"
   In Claudio Daniel e Frederico Barbosa
   Na Virada do Século — Poesia de
   Invenção no Brasil

   Landy, São Paulo, 2002
• "Errata"
   In Calendário Lunático — Erotografia de Ana K.
   Ciência do Acidente, São Paulo, 1996
• "Nudista em Revista", "Tempo de Cometa" e
   "Ut Pictura Est"
   — inéditos cedidos pelo poeta