Número 178 - Ano 4

São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 2006

«O nome de uma mulher me delata. / Me dói uma mulher em todo o corpo.» (Jorge Luis Borges) *
 


Friedrich Hölderlin


Caros amigos,


O poeta alemão Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770-1843) estudou num seminário protestante, onde conviveu com luminares da estatura do filósofo Friedrich Hegel e dos poetas Johann Goethe e Friedrich Schiller. Consta que, nesse grupo, todos exerceram influência sobre os outros. Alguns estudiosos sugerem que teria sido Hölderlin quem chamou a atenção de Hegel para as idéias de Heráclito sobre a união dos contrários. Hegel avançaria com elas para formular seu próprio conceito de dialética.

Preceptor de profissão, Hölderlin cuidou da educação dos filhos de Jakob Gontard, um banqueiro de Frankfurt. Aí o poeta apaixona-se pela esposa do banqueiro, Susette Gontard, que aparece em seu romance Hyperion e em vários poemas na figura idealizada de Diotima. Insultado por Gontard, Hölderlin deixa o emprego.

A essa época, o poeta já enfrentava problemas de saúde, diagnosticados como "hipocondria". Seu estado piorou depois do último encontro com a amada, em 1800. No início de 1802, ele foi para Bordeaux, França, a fim de trabalhar como tutor dos filhos de um diplomata alemão. Poucos meses depois, já estava de volta à Alemanha, dando sinais de desequilíbrio mental. Esse quadro se agravou com a notícia da morte de Susette Gontard.

Em 1807, aos 37 anos, o poeta perdeu completamente a razão. Passou a morar na casa do carpinteiro Ernst Zimmer, admirador de seus escritos. Durante 36 anos, até a morte, Hölderlin permaneceu sob os cuidados da família de Zimmer. Portanto, o poeta viveu metade da vida mergulhado na loucura. Mas continuou escrevendo. Versos estranhos, embora de alta qualidade poética, que assinava com o nome de Sardanelli.

Reconhecida como um dos pontos altos da literatura alemã e ocidental, a poesia de Hölderlin fica a meio caminho entre o clássico e o romântico.  Admirador da cultura grega antiga, escreveu extensas odes e hinos. Na seleção ao lado, incluí apenas poemas líricos, todos vertidos para o português por Manuel Bandeira e integrantes do volume Poemas Traduzidos.


Um abraço,

Carlos Machado

 

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Pássaro de Vidro - Carlos Machado, 2006

PÁSSARO DE VIDRO

Quero convidar os amigos de São Paulo para o lançamento de meu livro de poesia, Pássaro de Vidro, publicado pela Editora Hedra.

Quando:
Segunda-feira, 11/09/2006
a partir das 19 horas

Onde:
Livraria da Vila
Rua Fradique Coutinho, 915
Vila Madalena - São Paulo
Tel. (11) 3814-5811


Aproveito a oportunidade para desfazer uma possível confusão autoral. Este é meu primeiro livro de literatura (já publiquei outros, mas na área de informática). Existe um autor de Curitiba, também chamado Carlos Machado, que publicou três livros de contos pela editora 7Letras. Assim, pelo menos até o momento, eu sou o da poesia ou da tecnologia. Prosa de ficção é com o xará de Curitiba.

 

Metade da vida

Friedrich Hölderlin

 



METADE DA VIDA

Pêras amarelas
E rosas silvestres
Da paisagem sobre a
Lagoa.

Ó cisnes graciosos,
Bêbedos de beijos,
Enfiando a cabeça
Na água santa e sóbria!

Ai de mim, aonde, se
É inverno agora, achar as
Flores? e aonde
O calor do sol
E a sombra da terra?
Os muros avultam
Mudos e frios; à fria nortada
Rangem os cata-ventos.


HÄLFTE DES LEBENS

Mit gelben Birnen hänget
Und voll mit wilden Rosen
Das Land in den See,
Ihr holden Schwäne,
Und trunken von Küssen
Tunkt ihr das Haupt
Ins heilignüchterne Wasser.

Weh mir, wo nehm ich, wenn
Es Winter ist, die Blumen, und wo
Den Sonnenschein,
Und Schatten der Erde?
Die Mauern stehn
Sprachlos und kalt, im Winde
Klirren die Fahnen.

                              [1805]


CANTO DO DESTINO DE HIPERÍON

No mole chão andais
Do éter, gênios eleitos!
Ares divinos
Roçam-vos leve
Como dedos de artista
As cordas sagradas.

Como adormecidas
Criancinhas, eles
Respiram. Floresce-lhes
Resguardado o espírito
Em casto botão;
E os olhos felizes
Contemplam em paz
A luz que não morre.

Mas, ai! nosso destino
É não descansar.
Míseros os homens
Lá se vão levados
Ao longo dos anos
De hora em hora como
A água, de um penhasco
A outro impelida,
Lá somem levados
Ao desconhecido.


HYPERIONS SCHICKSALSLIED

Ihr wandelt droben im Licht
Auf weichem Boden, selige Genien !
Glänzende Götterlüfte
Rühren euch leicht,
Wie die Finger der Künstlerin
Heilige Saiten.

Schicksallos, wie der schlafende
Säugling, atmen die Himmlischen;
Keusch bewahrt
In bescheidener Knospe,
Blühet ewig
Ihnen der Geist,
Und die seligen Augen
Blicken in stiller
Ewiger Klarheit.

Doch uns ist gegeben,
Auf keiner Stätte zu ruhn,
Es schwinden, es fallen
Die leidenden Menschen
Blindlings von einer
Stunde zur andern,
Wie Wasser von Klippe
Zu Klippe geworfen,
Jahr lang ins Ungewisse hinab.


                              [1834]


OUTRORA E HOJE

Meu dia outrora principiava alegre;
No entanto à noite eu chorava. Hoje,
                                            [ mais velho,
Nascem-me em dúvida os dias, mas
Findam sagrada, serenamente.


EHMALS UND JETZT

In jüngern Tagen war ich des Morgens froh,
Des Abends weint ich; jetzt, da ich älter bin,
Beginn ich zweifelnd meinen Tag, doch
Heilig und heiter ist mir sein Ende.

                              [1799]
 

AS PARCAS

Mais um verão, mais um outono, ó Parcas,
Para amadurecimento do meu canto
Peço me concedais. Então, saciando
Do doce jogo, o coração me morra.

Não sossegará no Orco a alma que em vida
Não teve a sua parte de divino.
Mas se em meu coração acontecesse
O sagrado, o que importa, o poema, um dia:

Teu silêncio entrarei, mundo das sombras,
Contente, ainda que as notas do meu canto
Não me acompanhem, que uma vez ao menos
Como os deuses vivi, nem mais desejo.


AN DIE PARZEN

Nur Einen Sommer gönnt, ihr Gewaltigen!
Und einen Herbst zu reifem Gesange mir,
Daß williger mein Herz, vom süßen
Spiele gesättiget, dann mir sterbe.


Die Seele, der im Leben ihr göttlich Recht
Nicht ward, sie ruht auch drunten im Orkus
                                                 [ nicht;
Doch ist mir einst das Heilige, das am
Herzen mir liegt, das Gedicht, gelungen,


Willkommen dann, o Stille der Schattenwelt!
Zufrieden bin ich, wenn auch mein Saitenspiel
Mich nicht hinab geleitet; Einmal
Lebt ich, wie Götter, und mehr bedarfs nicht.

                              [1799]


PÔR DO SOL

Onde estás? A alma anoitece-me bêbeda
De todas as tuas delícias; um momento
Escutei o sol, amorável adolescente,
Tirar da lira celeste as notas de ouro do seu
                                     [ canto da noite.

Ecoavam ao redor os bosques e as colinas;
Ele no entanto já ia longe, levando a luz
A gentes mais devotas
Que o honram ainda.


SONNENUNTERGANG

Wo bist du? trunken dämmert die Seele mir
Von aller deiner Wonne; denn eben ist's,
Daß ich gelauscht, wie, goldner Töne
Voll, der entzückende Sonnenjüngling

Sein Abendlied auf himmlischer Leier spielt';
Es tönten rings die Wälder und Hügel nach.
Doch fern ist er zu frommen Völkern,
Die ihn noch ehren, hinweggegangen.

                              [1800]
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2006

Friedrich Hölderlin
In Manuel Bandeira
Poemas Traduzidos
Edições de Ouro, Rio de Janeiro, s/data
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* Jorge Luis Borges no poema "El Amenazado", do livro El Oro de los Tigres, 1972