
Regis Gonçalves
Caros,
Nascido em 1940 na cidade de Santa Bárbara (MG), o poeta Regis
Gonçalves é sociólogo e jornalista. Gonçalves escreve desde os
primeiros anos 60 e ate ganhou um prêmio literário com um livro de
poesia em 1970. Apesar disso, só estreou para valer em 1984,
com o volume Queima de Arquivo. Em 1988 saiu sua segunda
coletânea de poemas, Opus Circus.
Curiosamente, depois de publicar Trama Tato Texto, em 1994,
Regis Gonçalves passa a dedicar-se apenas ao jornalismo e acumula na
gaveta os novos volumes que produziu, como O Atleta Hipocondríaco
e Candongas d'Amores. Desse modo, ele é um caso de escritor
muito ativo que depois se recolheu à condição de bissexto, se não na
produção, pelo menos na publicação.
Os poemas mostrados aqui são todos dessa fase bissexta de Regis
Gonçalves. Não conheço os livros que o poeta publicou em papel. Mas,
a julgar pelo punhado de textos inéditos que ele me enviou, sua
poesia é marcadamente lírica, com uma inclinação pelos temas
amorosos e sensuais e a contemplação de tipos humanos.
Todos esses traços estão representados nos poemas ao lado. Por causa
de uns olhos, o poeta vê um divã povoado de invejosos minotauros. Ou
então, no corpo da amada, enxerga "a tinta do dia / a descascar-se
em luz / sobre seu púbis".
Há também nos poemas de Gonçalves um indisfarçável encantamento com
as coisas de Minas Gerais. Este é talvez um traço quase inescapável
entre escritores mineiros.
Santa Bárbara, a cidade natal de Regis Gonçalves — informa-me ele
próprio —, fica no chamado Quadrilátero Ferrífero, do qual também
faz parte a Itabira de Carlos Drummond de Andrade: "Oitenta
por cento de ferro nas almas".
Será? Os poetas da região ferrífera podem até dizer o contrário, mas
provam que não.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
NOTA
O poeta Regis Gonçalves faleceu em Belo Horizonte, aos 82 anos, em 23 de abril de 2023.
•o•
LANÇAMENTOS
Dois livros serão lançados nos próximos dias em Salvador, no Rio de
Janeiro e em São Paulo.
• José Inácio Vieira
de Melo
- A Infância do Centauro
O poeta alagoano-baiano
José Inácio Vieira de Melo lança em Salvador sua nova coletânea
de poesia, A Infância do Centauro, que sai pela editora
Escrituras.
Data: 21/07/2007, sábado
Hora: 9h30 às 14h30
Local: LDM Livraria Multicampi
Rua Direita da Piedade, 20
Salvador
• Chacal
- Belvedere
O carioca Chacal, expoente da geração mimeógrafo,
publica agora sua poesia completa pela Cosac Naify / 7Letras. O
volume, Belvedere, reúne seus escritos de 1971 a 2007.
Lançamento duplo:
- Rio de Janeiro:
Data: 23/07/2007, segunda-feira
Hora: 20h00
Local: Livraria da Travessa
Rua Visconde de Pirajá, 572
Ipanema. Tel. (21) 3138-9595
- São Paulo:
Data: 25/07/2007, quarta-feira
Hora: 19h00
Local: Livraria da Vila
Rua Fradique Coutinho, 915
IVila Madalena. Tel. (11) 3814-5811 |
Minotauros no
divã
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Regis Gonçalves |
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NOTÍVAGO
O estrépito da noite
acordou meus ouvidos. Era a volúpia da noite lambendo a
cidade e seus pés de barro. Talvez fosse exato
resmungar e dormir de novo abraçado à névoa dessa
sombra.
Mas grandioso era o campo de luzes irradiadas de teu
corpo penetrando-me. Meu toque trêmulo despedaça o
mapa da cama: acordo-te.
Impossível pensar a hora a direção do vento, o signo
predominante do zodíaco.
Irisadas, tuas cores banhavam o coágulo do meu afeto.
Eras simples e terna como um cachorro sem dentes.
O ar sabia a fumo e mostarda. Ingênuo, te perseguia
na motocicleta de meus sonhos.
Inutilmente tento reconstruir a pulsação do instante
feito de barro e chamas cavalos que cruzam os céus
gládios de anjos anunciadores e pivetes insones sob as
marquises.
Nenhuma astúcia desvenda o sentimento guardado
a sete chaves no cofre de que talvez saibas o segredo.
CHAVE DE SI
flauta
embora não possua
é música que inspira
súbita
suave
abstrusa
e à luz de uma cantiga
p i a n í s s i m a
Debussy Ravel
ou Pixinguinha
desata o nó
da poesia:
é musa.
OLHOS AZUIS
Seus crus olhos
azuis craquelejam a fina porcelana da inveja.
Centauros minotauros povoam o divã
sob um
farol de lua acesa ao som de valsa vienense ou
ameríndia.
ÁUREA
DIAMANTINA
Chamar-se
Áurea em terra de Chica e morar na Palha. Pedras
faíscam entre porcos, no lixo.
"Ai de ti, terra ímpia", o pastor invectiva.
A lama no entanto arrasta os propósitos mais
convictos.
Aurífera, diamantífera prolífera mãe de cinco
negrinhos.
SOL ARDENTE
disse-lhe:
o amor é feito disso — diabruras (o sol rosnava na
janela e nus dormíamos) admirei-me ao vê-la
linha fria desenovelar-se em mim como ternura
do amor de nós de tudo o que sabíamos? mas havia a
tinta do dia
a descascar-se em luz sobre seu púbis.
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