Número 218 - Ano 5

São Paulo, quarta-feira, 18 de julho de 2007 

«Que há num simples nome? O que chamamos rosa com outro nome não teria igual perfume?» (Shakespeare) *
 


Regis Gonçalves


Caros,

Nascido em 1940 na cidade de Santa Bárbara (MG), o poeta Regis Gonçalves é sociólogo e jornalista. Gonçalves escreve desde os primeiros anos 60 e ate ganhou um prêmio literário com um livro de poesia em 1970. Apesar disso, só estreou para valer em  1984, com o volume Queima de Arquivo. Em 1988 saiu sua segunda coletânea de poemas, Opus Circus.

Curiosamente, depois de publicar Trama Tato Texto, em 1994, Regis Gonçalves passa a dedicar-se apenas ao jornalismo e acumula na gaveta os novos volumes que produziu, como O Atleta Hipocondríaco e Candongas d'Amores. Desse modo, ele é um caso de escritor muito ativo que depois se recolheu à condição de bissexto, se não na produção, pelo menos na publicação.

Os poemas mostrados aqui são todos dessa fase bissexta de Regis Gonçalves. Não conheço os livros que o poeta publicou em papel. Mas, a julgar pelo punhado de textos inéditos que ele me enviou, sua poesia é marcadamente lírica, com uma inclinação pelos temas amorosos e sensuais e a contemplação de tipos humanos.

Todos esses traços estão representados nos poemas ao lado. Por causa de uns olhos, o poeta vê um divã povoado de invejosos minotauros. Ou então, no corpo da amada, enxerga "a tinta do dia / a descascar-se em luz / sobre seu púbis".

Há também nos poemas de Gonçalves um indisfarçável encantamento com as coisas de Minas Gerais. Este é talvez um traço quase inescapável entre escritores mineiros.

Santa Bárbara, a cidade natal de Regis Gonçalves — informa-me ele próprio —, fica no chamado Quadrilátero Ferrífero, do qual também faz parte a Itabira de Carlos Drummond de Andrade:  "Oitenta por cento de ferro nas almas".

Será? Os poetas da região ferrífera podem até dizer o contrário, mas provam que não.

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado




NOTA

O poeta Regis Gonçalves faleceu em Belo Horizonte, aos 82 anos, em 23 de abril de 2023.




                      •o•


LANÇAMENTOS

Dois livros serão lançados nos próximos dias em Salvador, no Rio de Janeiro e em São Paulo.


• José Inácio Vieira
  de Melo

   - A Infância do Centauro

O poeta alagoano-baiano José Inácio Vieira de Melo lança em Salvador sua nova coletânea de poesia, A Infância do Centauro, que sai pela editora Escrituras.

Data: 21/07/2007, sábado
Hora: 9h30 às 14h30
Local: LDM Livraria Multicampi
Rua Direita da Piedade, 20
Salvador



• Chacal
   - Belvedere

O carioca Chacal, expoente da geração mimeógrafo, publica agora sua poesia completa pela Cosac Naify / 7Letras. O volume, Belvedere, reúne seus escritos de 1971 a 2007. Lançamento duplo:

- Rio de Janeiro:
Data: 23/07/2007, segunda-feira
Hora: 20h00
Local: Livraria da Travessa
Rua Visconde de Pirajá, 572
Ipanema. Tel. (21) 3138-9595

- São Paulo:
Data: 25/07/2007, quarta-feira
Hora: 19h00
Local: Livraria da Vila
Rua Fradique Coutinho, 915
IVila Madalena. Tel. (11) 3814-5811

Minotauros no divã

Regis Gonçalves

 



NOTÍVAGO

O estrépito da noite
acordou meus ouvidos.
Era a volúpia da noite lambendo a cidade
e seus pés de barro.
Talvez fosse exato resmungar
e dormir de novo
abraçado à névoa dessa sombra.

Mas grandioso era o campo de luzes
irradiadas de teu corpo
penetrando-me. Meu toque
trêmulo despedaça
o mapa da cama: acordo-te.

Impossível pensar a hora
a direção do vento, o signo
predominante do zodíaco.

Irisadas, tuas cores
banhavam o coágulo do meu afeto.
Eras simples e terna
como um cachorro sem dentes.

O ar sabia a fumo e mostarda.
Ingênuo, te perseguia
na motocicleta de meus sonhos.

Inutilmente tento reconstruir
a pulsação do instante
feito de barro e chamas
cavalos que cruzam os céus
gládios de anjos anunciadores
e pivetes insones sob as marquises.


Nenhuma astúcia
desvenda o sentimento guardado
a sete chaves no cofre
de que talvez saibas o segredo.



CHAVE DE SI

flauta embora não possua

é música que inspira

súbita

suave

abstrusa

e à luz de uma cantiga

p i a n í s s i m a

Debussy Ravel

ou Pixinguinha

desata o nó da poesia:

é musa.



OLHOS AZUIS

Seus crus olhos
azuis craquelejam
a fina porcelana
da inveja.

Centauros
minotauros povoam
o divã

sob um farol de lua
acesa ao som
de valsa vienense
ou ameríndia.



ÁUREA DIAMANTINA

Chamar-se Áurea em terra de Chica
e morar na Palha.
Pedras faíscam
entre porcos, no lixo.

"Ai de ti, terra ímpia", o pastor
invectiva.
A lama no entanto
arrasta
os propósitos mais
convictos.

Aurífera, diamantífera
prolífera
mãe de cinco negrinhos.



SOL ARDENTE

disse-lhe:
o amor é feito disso
— diabruras
(o sol
rosnava na janela
e nus
dormíamos)
admirei-me ao vê-la
linha fria
desenovelar-se em mim
como ternura
do amor de nós de tudo
o que sabíamos?
mas havia
a tinta do dia
a descascar-se em luz
sobre seu púbis.

 

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www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2007

Regis Gonçalves
•  Poemas inéditos cedidos pelo autor
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* William Shakespeare, in Macbeth, Ato I, Cena IV: Duncan