Número 221 - Ano 5

São Paulo, quarta-feira, 8 de agosto de 2007 

«Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.» (João Guimarães Rosa) *
 


Vitória Lima


Caros,

Professora de literatura em Campina Grande, PB, a poeta Vitória Lima (1946-) é pernambucana do Recife. Seus primeiros poemas em livro apareceram na Antologia Contemporânea da Poesia Paraibana, em 1995.

A estréia em volume-solo ocorreu dois anos depois, com o livro Anos Bissextos. Agora, em 2007, Vitória Lima lançou sua segunda coletânea, Fúcsia, da qual foram extraídos todos os poemas mostrados nesta página.

Uma das marcas que se podem notar na poesia de Vitória Lima é a inclinação para textos que ficam entre o aforismo e o haikai. Muitos dos poemas são pílulas de poucos versos e, às vezes, com apenas uma frase. É o caso de "Fúcsia", que dá título a todo o volume: "da paleta dos jambeiros / sai o fúcsia que / pinta & borda / as calçadas dos setembros". Eis um exemplo que encarna perfeitamente o espírito do haikai. Há outros, como "Sagüi" e "A Pátina do Tempo".

Outra linha definidora do trabalho poético de Vitória Lima tende para a observação de fatos e coisas comuns do cotidiano, sempre tomados de um ponto de vista inequivocamente feminino. Aqui, essa tendência é representada pelo poema "Fantasia para uma Visita ao Supermercado".

O que ressalta nesse texto é a ironia: falar de emoções amorosas entre tomates e beterrabas. Logo no início, a personagem dona dessa fantasia faz questão de lembrar que está entre gôndolas entre parênteses: de um supermercado. Talvez ela queira evitar que se faça uma projeção romântica, pensando em gôndolas de Veneza e em castro-alvescos "gondoleiros do amor".

Também é de se notar que não há nessa fantasia mercantil nenhuma palavra que se refira à existência de um clima fantasioso. Existe a emoção, sim, mas ela vai sendo construída para o leitor graças à atrapalhação da personagem, no meio da prosaica seção de frutas e legumes do supermercado.


Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado



                      •o•



 

Amor e beterrabas

Vitória Lima

 


FÚCSIA

da paleta dos jambeiros
sai o fúcsia que
pinta & borda
as calçadas dos setembros.



NIGHTMARE

selvagens, insanas,
as éguas da noite
galopam à solta,

dispersam o sono
com o estampido
dos cascos
tonitruantes.



A PÁTINA DO TEMPO

a pátina do tempo
pinta/ cava/ marca

impondo
máscara impiedosa

que

plástica nenhuma
elimina.


PALHAÇO

de tanto fazer rir
o palhaço
nos engana
& leva a crer
que não chora.

besteira nossa
é pensar
que aquela
tinta toda

tem outra
função
além de esconder
a verdadeira
dor
de um fingidor.



SAGÜI

no delicioso
bulício
da mata
esgueira-se
fino
rabo
branco
& preto.



FANTASIA PARA UMA VISITA AO SUPERMERCADO

                 ...tendo ginsberg como guia

fantasio
que um dia
o encontrarei
por entre as gôndolas
                      (de um supermercado)
fantasio que
ao levantar os olhos
das cebolas
lá estará ele —

seus olhos me
buscando
insistentemente
por entre os tomates
& as beterrabas

me atrapalho
nas compras:
preciso de chuchu —
levo rabanetes

ao nos cruzarmos de novo
por entre peixes e siris
trocamos risinhos cúmplices —
já íntimos
& coniventes.

no caixa
(meio tímidos)
trocamos e-mails,
telefones

& marcamos encontro
para o próximo réveillon —
eu vou de rosa
ele vai de marrom...
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2007

Foto: 2006 Carol Cabral

Vitória Lima
In Fúcsia
Edições Linha d'Água, João Pessoa, 2007
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* João Guimarães Rosa, fala de Riobaldo Tatarana,
   in
Grande Sertão: Veredas (1956)