Número 265 - Ano 7

São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 2009 

«O binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo.» (Álvaro de Campos) *
 

Wislawa Szymborska
Wislawa Szymborska


Caros,

Nascida em 1923, a polonesa Wislawa Szymborska é uma escritora popular na internet. Seus poemas são reproduzidos com perceptível agrado em milhares de sites e blogs, tanto em seu idioma natal como em traduções para várias outras línguas.

Desde 1931, Wislawa reside na cidade de Cracóvia, onde estudou literatura polonesa e sociologia. Sua atividade literária inicia-se durante a Segunda Guerra Mundial, nos anos de resistência à ocupação nazista. Estreia em letra de fôrma no ano de 1945, quando publicou um poema num jornal. Entre 1953 e 1981, trabalhou como editora de poesia e colunista na revista semanal Życie Literackie (Vida Literária), escrevendo uma coluna chamada "Leitura Não Obrigatória".

O primeiro livro de Wislawa estava para ser publicado em 1949, mas não passou na censura da então República Popular da Polônia: "não atendia às exigências socialistas". Mesmo assim, ela permaneceu leal à orientação oficial, como a maior parte dos intelectuais poloneses no pós-guerra. Seu primeiro livro saiu afinal em 1952, e nele há poemas laudatórios às realizações do regime. Ela também tornou-se membro do partido comunista polonês, no qual permaneceu até 1966, embora desde o final dos anos 50 já mantivesse contato com intelectuais dissidentes. Hoje, a autora descarta de sua obra os primeiros livros.
 
Wislawa Szymborska publicou 16 coletâneas de poesia e também traduziu poemas do francês. Poeta quase desconhecida, ganhou notoriedade após receber o prêmio Nobel de Literatura em 1996.


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Uma característica surpreendente — e, ao mesmo tempo, cativante — nos escritos de Wislawa é a sua teimosa aderência à vida cotidiana. A transcendência de sua poesia vem dos fatos, das relações entre pessoas, de raciocínios marcadamente concretos. Outro traço importante é a ausência quase total de metáforas. Trata-se de uma poesia bastante prosaica e que carrega em si uma feliz contradição: são criações sofisticadas que, ainda assim, conseguem conquistar simpatia quase imediata.

Pode-se acrescentar ainda outro aspecto: o refinado gosto pela lógica de
Wislawa Szymborska. Tanto quanto possível, o discurso é claro e, em muitos casos, tem um quê de livro científico. São textos em que a emoção vai sempre de braços dados com a razão. Nesse quesito, o verso szymborskiano encarna uma espécie de avesso do surrealismo.

O apreço à lógica e às descrições quase exatas perpassa todos os poemas enfeixados na miniantologia ao lado. Em "O Terrorista, Ele Observa", há um andamento cinematográfico, no qual quase se ouve, com aflição, o tique-taque fatídico de um relógio, já sabendo, desde o primeiro verso, que "uma bomba explodirá no bar às treze e vinte".

"As Três Palavras Mais Estranhas" é outro texto dominado pelo raciocínio lógico. São afirmações simples, óbvias e envolventes. "Quando pronuncio a palavra Futuro / a primeira sílaba já pertence ao passado". No final, a palavra Nada entra em flagrante contradição com a idéia de "criar algo". 

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No mesmo diapasão está o poema "Pi". A autora consegue extrair substância lírica até da aridez matemática do número pi e sua sucessão interminável de algarismos. Em sua louvação ao número grego, Wislawa inclui até conceitos de física como a curvatura da luz. Numa comparação, ela diz que os raios de uma estrela se dobram no espaço. O número pi, não: nada o detém e ele segue sempre, indiferente à ação das forças do universo. Com pequenas seqüências de dígitos entremeadas nas frases, ela cria poeticamente a sensação da gloriosa infinitude desse 3,141592653589793238...

Fecho a seleção com o poema "Quarto do Suicida". Aqui, o texto oferece uma descrição do aposento anunciado no título e termina não com uma resposta, mas com a confirmação de uma imensa dúvida: por quê?

 

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Encontrei na internet todos os quatro poemas apresentados ao lado. Do primeiro, "O Terrorista...", li umas três versões em português e preferi a do poeta e experiente tradutor paulistano Nelson Ascher. Também achei várias traduções de "As Três Palavras..." em diferentes idiomas. A que vai transcrita aqui foi feita em Portugal por Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. A tradução de "Quarto do Suicida" é da poeta carioca Ana Cristina Cesar (1952-1983), em colaboração com a polonesa Grazyna Drabik.

Além dos dois poemas já citados, destaquei o intrigante "Pi", do qual não achei nenhuma versão em português. Num rompante, decidi traduzi-lo. Como obviamente não conheço uma só palavra do polonês, pus-me a comparar versões em inglês (o maior volume de traduções está nessa língua), italiano, espanhol e francês. Contei ainda com a ajuda de um colega jornalista de origem polonesa.


Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado

 

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WISŁAWA, O NOME

Em polonês, o nome correto da poeta é Wisława. O que, por simplificação, escrevemos como L é na verdade um Ł, letra pronunciada como U: Viss'uava. O mesmo ocorre com o nome de seu compatriota Czesław Miłosz (Tchess'uaf Mi'uosh) publicado aqui no boletim n. 112, em abril/2005.

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ATUALIZAÇÃO

A poeta Wislawa Szymborska faleceu em 1 de fevereiro de 2012.

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Dedico este boletim a três amigos.

• À poeta paulistana Mariana Ianelli, a quem nunca encontrei pessoalmente. Num e-mail recente, ela me chamou a atenção para Wislawa Szymborska, em especial para o poema "O Terrorista, Ele Observa".

• Aos engenheiros, professores e também poetas baianos João Augusto Lima Rocha, da UFBA; e Trazíbulo Henrique Pardo Casas, da UEFS. Aos dois, a szymborskiana demonstração de que a matemática mora perto da poesia. C.Q.D.
 


 



 

3,141592653589793238...

Wislawa Szymborska

 



O TERRORISTA, ELE OBSERVA

A bomba explodirá no bar às treze e vinte.
Agora são apenas treze e dezesseis.
Alguns terão ainda tempo para entrar;
alguns, para sair.
O terrorista já está do outro lado da rua.
A distância o protege de qualquer perigo.
E, bom, é como assistir a um filme.
Uma mulher de casaco amarelo, ela entra.
Um homem de óculos escuros, ele sai.
Jovens de jeans, eles conversam
Treze e dezessete e quatro segundos.
Aquele mais baixo, ele se salvou, sai de lambreta.
E aquele mais alto, ele entra.
Treze e dezessete e quarenta segundos.
A moça ali, ela tem uma fita verde no cabelo.
Mas o ônibus a encobre de repente.
Treze e dezoito.
A moça sumiu.
Era tola o bastante para entrar, ou não?
Saberemos quando retirarem os corpos. Treze e dezenove.
Ninguém mais parece entrar.
Um careca obeso, no entanto, está saindo.
Procura algo nos bolsos e
às treze e dezenove e cinqüenta segundos
ele volta para pegar suas malditas luvas. São treze e vinte.
O tempo, como se arrasta
É agora.
Ainda não.
Sim, agora.
A bomba, ela explode.

Tradução: Nelson Ascher
(Versão realizada a partir da versão inglesa de Adam Czerniawski e da
norte-americana de Magnus J. Krynski e Robert A. Maguire)




Tatuagem com os algarismos iniciais do número pi: 3,1415926535897... - Imagem do site Talk Like a Physicist
Tatuagem com os catorze algarismos iniciais do número pi: 3,1415926535897...
Imagem do site Talk Like a Physicist




PI

O admirável número pi:
três vírgula um quatro um.
Todos os dígitos seguintes são apenas o começo,
cinco nove dois porque ele nunca termina.
Não se pode capturá-lo seis cinco três cinco com um olhar,
oito nove com o cálculo,
sete nove ou com a imaginação,
nem mesmo três dois três oito comparando-o de brincadeira
quatro seis com qualquer outra coisa
dois seis quatro três deste mundo.
A cobra mais comprida do planeta se estende por alguns metros e acaba.
Também são assim, embora mais longas, as serpentes das fábulas.
O cortejo de algarismos do número pi
alcança o final da página e não se detém.
Avança, percorre a mesa, o ar, marcha
sobre o muro, uma folha, um ninho de pássaro, nuvens, e chega ao céu,
até perder-se na insondável imensidão.
A cauda do cometa é minúscula como a de um rato!
Como é frágil um raio de estrela, que se curva em qualquer espaço!
E aqui dois três quinze trezentos dezenove
meu número de telefone o número de tua camisa
o ano mil novecentos e setenta e três sexto andar
o número de habitantes sessenta e cinco centavos
a medida da cintura dois dedos uma charada um código,
no qual voa e canta descuidado um sabiá!
Por favor, mantenham-se calmos, senhoras e senhores,
céus e terra passarão
mas não o número pi, nunca, jamais.
Ele continua com seu extraordinário cinco,
seu refinado oito,
seu nunca derradeiro sete,
empurrando, arf, sempre empurrando a preguiçosa
eternidade.

Tradução: Carlos Machado


 

AS TRÊS PALAVRAS MAIS ESTRANHAS

Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.

Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves

 


Van Gogh - Quarto em Arles (1888)
Vincent Van Gogh - Quarto em Arles, 1888



QUARTO DO SUICIDA

Vocês devem achar, sem dúvida, que o quarto esteve vazio.
Mas lá havia três cadeiras de encosto firmes.
Uma boa lâmpada para afastar a escuridão.
Uma mesa, sobre a mesa uma carteira, jornais.
Buda sereno, Jesus doloroso,
sete elefantes para boa sorte, e na gaveta — um caderno.
Vocês acham que nele não estavam nossos endereços?

Acham que faltavam livros, quadros ou discos?
Mas da parede sorria Saskia com sua flor cordial,
Alegria, a faísca dos deuses,
a corneta consolatória nas mãos negras.
Na estante, Ulisses repousando
depois dos esforços do Canto Cinco.
Os moralistas,
seus nomes em letras douradas
nas lindas lombadas de couro.
Os políticos ao lado, muito retos.

E não era sem saída este quarto,
ao menos pela porta,
nem sem vista, ao menos pela janela.
Binóculos de longo alcance no parapeito.
Uma mosca zumbindo — ou seja, ainda viva.

Acham então que talvez uma carta explicava algo.
Mas se eu disser que não havia carta nenhuma —
éramos tantos, os amigos, e todos coubemos
dentro de um envelope vazio encostado num copo.

Tradução: Ana Cristina Cesar
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2009

Wislawa Szymborska
•  Todas as traduções foram obtidas na internet, com exceção de "Pi"
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* Álvaro de Campos, "Poesias de Álvaro de Campos",
   in Obra Poética de Fernando Pessoa (Nova Aguilar)