Lenilde Freitas
Caros,
O poesia.net tem a honra e o prazer de revisitar o
trabalho de uma escritora que já compareceu a esta página em duas outras
ocasiões, nas edições
n. 251, em junho de 2008, e
n. 275, em março de 2012. Trata-se da poeta Lenilde Freitas. Desta vez, ela
concede ao boletim e aos seus leitores a oportunidade de ler uma suíte de quatro
poemas inéditos.
Paraibana de Campina Grande (1939), Lenilde Freitas radicou-se no Recife, onde
obteve a graduação em Letras. Fez também especializações em poesia na
Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos. Artista de dicção econômica e
essencial, Lenilde já mereceu apreciação positiva de nomes destacados da crítica
literária, como Antonio Candido e Fábio Lucas.
A obra de Lenilde Freitas reúne até o momento os seguintes títulos: Desvios
(1987); Esboço de Eva (1987); Cercanias (1989); Espaço Neutro
(1991); Tributos (1994); Grãos na Eira (2001); A Casa Encantada
(poesia para crianças, 2009); e A Corça no Campo (2010).
Não pretendo estender-me sobre as características gerais da poesia de Lenilde
Freitas, para não chover no molhado. Convido o leitor a (re)visitar os boletins
n. 251 e
275, nos quais poderá ler outros poemas da autora, assim como observações
sobre sua poesia.
•o•
Passemos aos quatro poemas inéditos. O primeiro, “Reveses da Sorte”, constitui o
lamento por uma grande perda. O segundo, “Pintura Quase Abstrata”, a pessoa que
fala se mostra perdida, sem rumo, e afirma já não reconhecer nem a si mesma nem
os traços do ser amado, de quem se encontra separada.
O terceiro poema é um soneto que mantém o mesmo tom menor reinante nos
anteriores. O título é “Saudade”, sentimento definido como um voo em declive. Na
melhor tradição shakespeariana, o soneto se conclui na esperança de que a vida
permaneça naquilo que cantamos – ou seja, que a arte sobrepuje a morte.
O último poema retorna ao tom de lamentação diante do sossego perdido, que teria
sido levado para longe pela pessoa amada. Quando me enviou a suíte, a autora
batizou-a, de modo bem nerudiano, como “Três Poemas de Amor e Uma Canção
Desesperada”. Mas avisou que esse título poderia ser deixado de lado. Não sei,
talvez seja o caso de manter esse título.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
|
A saudade voa em declive
|
Lenilde Freitas
|
|
Henri Matisse (1869-1954), francês, Mulher Diante de
Aquário
REVESES DA SORTE
Vida! Não te peço nada que não me possas dar.
O que eu mais amei
logo tirou-me a sorte.
No dia em que levou — em vez de me levar —
o que eu chamei: Vida e o mundo chamou: Morte.
Henri Matisse, Os Marroquinos
PINTURA QUASE ABSTRATA
Na vaguedad em que esboço nossos
traços nesse não ter visto quando vi já nem sei se são riscos, se
retratos já nem sei de quem são estes perfis.
A quem devo recorrer
agora que afastei o meu olhar do teu? Abro a porta e saio noite
afora: para onde ir se está escuro se — eu te asseguro — já não sei
quem és, nem quem sou eu?
Henri Matisse, A Música
SAUDADE
Saudade é lembrar seja o
que for de belo, na escassez em que se esteja no pouco acrescentar e
até repor se a alma permitir que assim seja.
Saudade é voar, mesmo
em declive ir longe com o olhar, igual condor viver do que em nós
ainda vive sem nunca revestir-se do incolor.
E por fim quando tudo
for distância — varandas, redes, luas e telhados — no pátio iluminado
de infância
Se a sombra chegar sem que a ouçamos com seus passos
macios, aveludados a vida há de ficar no que cantamos.
Henri Matisse, Madame Matisse - Turbante Vermelho
ACHADOS E PERDIDOS
Onde deixaste o meu sono
minha fome, minha alegria? Aonde levaste as minhas lágrimas os
meus versos, meu sossego minhas palavras cobertas por magmas de
covardia? Onde escondeste os segredos meu ardor e minha vida onde
puseste o amor os meus sonhos e os meus medos? O tudo que antes
existiu e o nada que agora existe aonde e por onde andam? Quando e
a quem os levaste? Com quem os dissipaste? Com quem os distribuíste?
|