Número 416 - Ano 17

São Paulo, quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

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«A Dor humana busca os amplos horizontes,/ E tem marés, de fel, como um sinistro mar!» (Cesário Verde) *

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Quatro Poetas
Paulo Henriques Britto; Antonio Brasileiro; Sônia Barros; Donizete Galvão



Amigas e amigos,

Após o recesso de janeiro, o poesia.​net está de volta.

Esta edição é dedicada a um tipo de poema especial — aquele no qual a poesia se detém para apreciar a arte dos pincéis. Para ser mais exato: não se trata de poemas que fazem referências genéricas à pintura ou mesmo citam, de passagem, uma obra pictórica.

Refiro-me, especificamente, ao caso em que o poeta dedica um poema inteiro a uma tela, comentando-a, falando de suas emoções diante dela ou extraindo da imagem alguma reflexão. É como se o poeta tentasse dizer com palavras o que o pintor expressou em pinceladas e cores.

Reuni aqui quatro poetas brasileiros, quatro poemas, três pintores e quatro pinturas. Primeiro, vêm o poeta carioca Paulo Henriques Britto e o quadro “Homem numa cadeira” (1983-85), do alemão naturalizado britânico Lucian Freud (1922-2011), neto do criador da psicanálise. Em seguida, o poeta baiano Antonio Brasileiro e a tela “A rendeira” (1671), do pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675).

O mesmo Vermeer, com o famoso quadro “Moça com brinco de pérola” (1665-1666), é o ponto de partida para a poeta paulista Sônia Barros, num poema homônimo da pintura. Por fim, é o artista plástico francês Yves Klein (1928-1962) quem impressiona os olhos e a inspiração do mineiro Donizete Galvão, com o quadro de azul profundo chamado “International Klein Blue” (1961-62).

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Paulo Henriques Britto
+ Lucian Freud

Especialista em retratos, Lucian Freud pintou “Homem numa cadeira” entre 1983 e 1985. Por sua vez, Paulo Henriques Britto publicou o poema “Man in a chair” (título original do quadro) no livro Formas do Nada, de 2012.

Britto enxerga no homem crispado de Lucian Freud a tensão de quem nervosamente espera. “Sem esperanças / nem expectativas”. Ou, pior ainda, “como quem não / espera exatamente nada”.

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Antonio Brasileiro
+ Johannes Vermeer

O poeta Antonio Brasileiro, que também é pintor, dirige o olhar para uma tela produzida há cerca de 350 anos. Para ele, a moça de Vermeer no quadro “A rendeira” parece tão entretida (talvez fosse melhor dizer: entretecida) em seu ofício que resume toda a verdade do mundo num único ponto de cruz.

O poema “Quadro na Parede”, escrito em 1981, foi publicado por Brasileiro no volume Poemas Reunidos (2005). Faz parte de um livro chamado Entre Facas, que integra essa reunião, porém nunca apareceu como obra independente.

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Sônia Barros
+ Johannes Vermeer

“Moça com brinco de pérola” é talvez o mais famoso quadro de Johannes Vermeer. O breve poema homônimo de Sônia Barros volta todas as atenções para os olhos da moça, nos quais a poeta enxerga sonhos e desejos. O texto apareceu originalmente no livro Fios, de 2014.

Essa tela de Vermeer é tão sugestiva que já inspirou o romance Moça com Brinco de Pérola (1999), da americana Tracy Chevalier, adaptado em 2003 para o filme de mesmo nome, estrelado por Scarlett Johansson (a moça) e Colin Firth (Vermeer).

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Donizete Galvão
+ Yves Klein

O poeta Donizete Galvão (1955-2014) revelava especial interesse nas artes plásticas. Vários de seus textos fazem referência a pintores e pinturas. Em “International Klein Blue” (do livro As Faces do Rio, 1991), ele se entrega a uma especulação lírica em torno de uma tonalidade de azul criada por Yves Klein.

Batizada como International Klein Blue, ou IKB, o Azul Klein é um matiz obtido pelo pintor mediante certa mistura de pigmentos. Em 1960, Klein chegou a registrar a composição química para obter esse tom de azul-marinho. Empolgado, o artista produziu numerosos quadros monocromáticos usando essa cor. A tela mostrada aqui é a “IKB 191”, de 1962.

Para o poeta Donizete Galvão, o Azul Klein representa uma tonalidade tão intensa e penetrante que ele a chama de “azul anzol”, “azul ímã”, “azul navalha”. Curiosamente, esta última denominação é o título do primeiro livro de Galvão, Azul Navalha (1988).

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Os poetas reunidos neste boletim já estiveram aqui em outras edições:

Paulo Henriques Britto
poesia.​net n. 45 e n. 412

Antonio Brasileiro
poesia.​net n. 26, n. 293 e n. 351

Sônia Barros
poesia.​net n. 207, n. 267 e 327

Donizete Galvão
poesia.​net n. 19, n. 236 e n. 302


Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado




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LANÇAMENTO

Homens Adoram Mulheres Perfeitas
• Andréa Catrópa

Andrea Catropa - homens adoram...Poeta e contista, a paulistana Andréa Catrópa estreia agora no romance com Homens Adoram Mulheres Perfeitas, livro contemplado com o edital de publicação da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. A editora é a Patuá.


Quando:
Sábado, 09/02/2019, das 18h30 às 21h30

Onde:
Biblioteca Alceu Amoroso Lima
Rua Henrique Schaumann, 777 - Pinheiros
São Paulo, SP


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Versos sobre tela


• Paulo Henriques Britto  • Antonio Brasileiro
• Sônia Barros  • Donizete Galvão


              



Lucian Freud - Man in a chair-19830=-85
Lucian Freud, germano-britânico, Homem numa cadeira (1983-85)



• Paulo Henriques Britto

MAN IN A CHAIR
(Lucian Freud)

Esperar sentado, mas sem
relaxar os músculos. Mãos
tensas nas coxas como quem
prestes a se levantar. Não

como quem, à espera, descansa.
E sim como se encurralado
na cadeira. Sem esperanças
nem expectativas. Sentado

na cadeira como quem não
espera exatamente nada.
Sem certezas, com exceção
da única, e indesejada.



Johannes Vermeer - A rendeira
Johannes Vermeer, holandês, A rendeira (1671)



• Antonio Brasileiro

QUADRO NA PAREDE

Diante de mim a rendeirinha
de Vermeer, olhos baixos,
medita sem meditar sobre seu mundo
   rendado.

Toda a verdade é só um ponto de cruz.



Johannes Vermeer - Moça com brinco de pérola
Johannes Vermeer, Moça com brinco de pérola (1665-66)



• Sônia Barros

MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA

Além da pérola
na orelha da moça
de Vermeer,

o indevassável
desejo nos olhos:
sonho a arder.



Yves Klein - IKB 191
Yves Klein, francês, IKB 191 (1962)



• Donizete Galvão

INTERNATIONAL KLEIN BLUE

Azul anzol.
Olho/peixe que não teme engolir a isca.

Azul ímã.
Fagulhas que grudam no solo imantado da tela.

Azul borracha.
Anula as outras cores e inaugura o reino do um.

Azul navalha.
Feche as pálpebras e deixe que ele tire fatias do escuro.

Azul vazio. Azul zero. Azul gênesis. Azul asa. Azulão.




poesia.​net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2019



• Paulo Henriques Britto
   in Formas do Nada
   Cia. das Letras, São Paulo, 2012
• Antonio Brasileiro
   in Poemas Reunidos
   Sec. Cultura e Turismo-BA/Funceb, Salvador, 2005
• Sônia Barros
   in Fios
   Biblioteca Pública do Paraná & Curitiba, 2014
• Donizete Galvão
   in As Faces do Rio
   Água Viva, São Paulo, 1991
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* Cesário Verde, "O Sentimento de Um Ocidental" in Poesias Completas de Cesário Verde
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* Imagens: obras de Lucian Freud (1922-2011), pintor britânico nascido na Alemanha; Johannes Vermeer (1632-1675), holandês; e Yves Klein (1928-1962), francês.