Amigas e amigos,
Autor já conhecido por quem acompanha o poesia.net, o poeta baiano Roberval Pereyr acaba de lançar
A mão no escuro, antologia baseada em seis livros de poesia, contendo ainda uma seleção de 19 poemas inéditos.
Publicado pela editora Cavalo Azul, o livro tem prefácio do poeta Alexandre Bonafim.
Para esta edição, selecionei sete poemas, tendo o cuidado de não repetir textos já incluídos em outros boletins
(edições n. 35, de 2003,
e n. 308, de 2014). Vale frisar
que Pereyr também já figurou em boletins coletivos.
Após escolher os poemas ao lado, tomei consciência de um detalhe: sem perceber, pincei apenas textos que
praticamente tratam de um mesmo tema, as aventuras de um eu desencontrado, perdido em vários eus.
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Vamos aos poemas. O primeiro deles, “Cruel Ilusão”, vem do livro Concerto de Ilhas (1997). É curtíssimo: tem apenas
dois versos decassílabos. Trata-se de uma dessas sentenças fortes, definitivas, encontradas com frequência na poesia
de Pereyr: “Esperar, esperar o que não vem / como ninguém à espera de ninguém”.
Os dois próximos poemas provêm do livro Saguão de Mitos (1998). “A Inútil Lição” nos oferece
um exemplo do eu lírico confuso em fazer sua autoidentificação. “Disseram que não sou eu,/ não contestei, consenti;
// e que num tempo remoto/ fui o contrário de mim”.
O outro poema é “Tempo”. Nos dois primeiros dísticos, o poeta apresenta o “problema”: “Ladra insistentemente / no fundo da
noite, um cão. // Ouvi-lo assim dissolve-me / num imenso não”. Mas o narrador não se contenta em dissolver-se numa enorme
negação. Numa reviravolta filosófica, ele expõe que esse não está conectado a “todo sim” e a uma “vã memória/ que
floresce em mim”. Embora seja um poema bem ritmado e breve, não é leve: sua leitura exige reflexão.
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Vêm agora dois poemas extraídos do livro Mirantes (2012): “Decisão” e “Duo”. O primeiro mostra mais uma das envolventes
provocações lógicas, comuns no trabalho de Pereyr. Surge aí um sujeito poético que obstinadamente se opõe àquilo que se espera
dele: “Se me buscarem, não vou. / Se me ofertarem, não quero. // Se me disserem quem sou, / direi que não sou, e espero”.
Além de manter pé firme nas negações, esse sujeito se diverte com antíteses, esgrimindo pensamentos que devem deixar tontos
seus interlocutores. “Direi que esperar é tudo; / e que o que espero é nada”. Por fim, ainda afirma ser uma pessoa que,
ao se deslocar, muda “conforme as feições da estrada”.
Em “Duo” apresenta-se outro indivíduo enigmático. Trata-se de alguém que tem um mestre a quem não conhece. O guru, por sua vez,
também não faz ideia da existência de seu seguidor. Este, mesmo assim, sente-se guiado pelo mestre. No final, fica claro que
o seguidor tem consciência de que seu líder (um deus?) não existe. Isso mostra que “Duo” é um poemeto de simplicidade apenas aparente.
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Os dois últimos poemas, “Distâncias” e “Narciso Lamenta”, foram extraídos da seção “Inéditos” de A mão no escuro.
Em “Distâncias”, o eu desencontrado executa nova peripécia. Entra em cena um bêbado, e o narrador diz:
“O bêbado oscila/ em torno do próprio/ eixo./ E enquanto vacila/ me deixo/ levar pelos seus trejeitos,/ e oscilo também”.
Portanto, o narrador assume o ritmo do bêbado. Daí em diante, convido o leitor a verificar o que acontece. Em
“Narciso Lamenta” a história é diferente. Mas o eu, agora narcísico, continua trançando seus nós e peripécias.
No prefácio de A Mão no Escuro, Alexandre Bonafim, ao discorrer sobre a pluralidade de eus na poesia
de Pereyr, afirma: “Essa tensão de um eu a se perder em outros eus e, por conseguinte, numa face sem nome de um deus
vazio, será pedra de toque na escritura de Pereyr e constituirá, na poesisa brasileira mais recente, um dos grandes
êxitos de sua jornada de escritor”.
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Nascido em 1953 no município de Antônio Cardoso-BA, Roberval Pereyr reside em Feira de Santana desde os 11 anos
de idade. Poeta e professor de literatura, seu nome está entre os nomes mais destacados da literatura baiana. Ao lado
do também poeta e professor Antonio Brasileiro
dirigiu a longeva revista literária Hera, publicada entre 1972 e 2005.
A obra poética de Roberval Pereyr engloba os seguintes títulos: As Roupas do Nu (1981); Ocidentais (1987);
O Súbito Cenário (1996); Concerto de Ilhas (1997); Saguão de Mitos (1998); Nas Praias do Avesso
(2004); Acordes (2010); Mirantes (2012); e, por fim, a antologia A mão no escuro (2024).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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LANÇAMENTOS
Três poetas apresentam novos livros nos próximos dias.
Versos para acalmar o vento
• Priscilla Barreto Menezes Navas
A poeta sergipana Priscilla Barreto Menezes Navas lança a coletânea Versos para Acalmar o Vento.
[Saiba mais sobre o livro neste endereço].
Quando:
Quinta-feira, 13/03/2024, 18h
Onde:
Museu da Gente Sergipana
Av. Ivo do Prado, 398
Centro - Aracaju, SE
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Cais da memória
• Carlos Machado
Amigas e amigos: estou lançando em São Paulo meu sexto livro de poemas: Cais da memória,
publicado pela Editora Patuá.
[Saiba mais sobre o livro neste endereço].
Quando:
Sábado, 22/03/2024,
das 17h às 22h
Onde:
Livraria Patuscada
Rua Luís Murat, 40
Vila Madalena - São Paulo, SP
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Pandemonias
• Ieda Estergilda
A poeta cearense Ieda Estergilda lança o livro Pandemonias. [Saiba mais sobre o livro neste endereço].
Quando:
Quinta-feira, 27/03/2024, 19h
Onde:
Livraria Patuscada
Rua Luís Murat, 40
Vila Madalena - São Paulo, SP
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