Amigas e amigos,
Nesta edição o poesia.net destaca a poeta gaúcha Mar Becker, com poemas extraídos de seu livro mais
recente, Noite Devorada (Círculo de Poemas, 2025). Nascida em Passo Fundo (1986) e residente em São Paulo, Mar Becker
(Marceli Andresa Becker, no registro civil) é formada em filosofia. É também autora das coletâneas Cova Profunda é a
Boca das Mulheres Estranhas (Círculo de Poemas, 2024); Canção Derruída (Assírio & Alvim Portugal, 2023);
Sal (Assírio & Alvim Brasil, 2022); e A Mulher Submersa (Urutau, 2020).
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Noite Devorada, pelo menos nos textos selecionados à direita, reúne uma coleção de poemas de amor. Vamos à leitura.
(Mar Becker não dá títulos aos poemas. Assim, como preciso de nomes para fazer referências, identifico-os com palavras do
primeiro verso, escritas entre colchetes.)
Em “[Porque uma de mim chama]”, o eu poético se divide em duas pessoas: “(...) uma de mim chama / mas a outra hesita”;
“(...) uma de mim espera a noite / mas a outra guarda a manhã”. O motivo, revelado mais adiante, é a ação do amor, que é
também dividida: “numa de mim quero dizê-lo / mas na outra calá-lo”. O tema é outro, porém a música mais remota deste
poema lembra “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar: “Uma parte de mim / é todo mundo; / outra parte é ninguém: / fundo sem fundo”.
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No poema seguinte, outra página de lírica amorosa, a pessoa poética entende que o amor fragiliza tudo o que toca. Assim,
como se deixou tocar pelo amor, tem medo de “desabar a um / tremor de pálpebras”. Bonito. E, de fato, fragilíssimo.
A atmosfera de magia e encantamento continua, no mesmo timbre, em “[Aquele que me ama]”. Diz a poeta: “aquele que me
ama sabe que na mulher amada dói uma / cidade invisível”. E como tornar visível essa cidade? Somente à pouca luz,
responde o poema.
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Talvez por causa dessa necessidade de revelação no escuro, no próximo texto, “[Aproxima-te do amor]”, o eu lírico
recomenda que se deve acercar do amor “sem muitas perguntas”. O amante precavido tem medo de assustar o pássaro do amor.
Ave, como se sabe, pode sair voando de repente — e adeus.
No poema a seguir, “[Eu me pergunto]”, Mar Becker empreende um diálogo com o poeta português
Eugénio de Andrade
(1923-2005): “ensina-me, eugénio: / esse teu modo de amor / de olhar o mar / no mar”.
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O exercício marítimo, feito em parceria com o poeta luso, continua em “[É o mar que ensina a perder]”. Diz o poema:
“é o mar que ensina a ouvir palavras como / quebrassem umas sobre / as outras — / na busca de uma flor antiga sem país”.
Nos dois últimos poemas de nossa breve seleta, Mar Becker desenvolve outros temas. No primeiro, afirma: “escrever
é negociar com a língua um / modo mais feroz de calar”. Dá o que pensar. É como se o que resta escrito, em última
instância, represente uma forma — cruel, enraivecida — de não dizer.
Em “[Diminuí meu nome próprio]”, um poema em prosa, Mar Becker explica por que reduziu seu prenome Marceli para
Mar. Leia os motivos e veja que têm muito a ver com os poemas “[Eu me pergunto]” e “[É o mar que ensina a perder]”.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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