Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002
Estes dois poemas fazem parte do livro Menino Antigo,
de 1973, no qual Drummond dá continuidade a suas memórias em versos,
iniciadas com o volume Boitempo, de 1968. Há ainda um terceiro
volume, Esquecer para Lembrar, de 1979.
Aqui, o que se destaca não é exatamente o poeta, mas o cronista que se
expressa em versos. Boa parte dos poemas dessa fase, antes de aparecer em
livro, foi publicada como crônica na coluna de C.D.A. no Jornal do Brasil.
Centenário do poeta:
31 de outubro de 2002 |
NEGRA
A negra para tudo
a negra para todos
a negra para capinar plantar
regar
colher carregar empilhar no paiol
ensacar
lavar passar remendar costurar cozinhar
rachar lenha
limpar a bunda dos nhozinhos
trepar.
A negra para tudo
nada que não seja tudo tudo tudo
até o minuto de
(único trabalho para seu proveito exclusivo)
morrer.
HOMEM LIVRE
Atanásio nasceu com seis dedos em cada mão.
Cortaram-lhe os excedentes.
Cortassem mais dois, seria o mesmo
admirável oficial de sapateiro, exímio seleiro.
Lombilho que ele faz, quem mais faria?
Tem prática de animais, grande ferreiro.
Sendo tanta coisa, nasce escravo,
o que não é bom para Atanásio nem para ninguém.
Então foge do Rio Doce.
Vai parar, homem livre, no Seminário de Diamantina,
onde é cozinheiro, ótimo sempre, esse Atanásio.
Meu parente Manuel Chassim não se conforma.
Bota anúncio no Jequitinhonha, explicadinho:
Duzentos mil-réis a quem prender crioulo Atanásio.
Mas quem vai prender homem de tantas qualidades?
|