Número 24

Quarta-feira, 30 de outubro de 2002 

"Sob a pele das palavras há cifras e códigos." (C.D.A.)

  Áporo

Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002

Com o poema "Áporo" tive o meu primeiro alumbramento poético. Garoto de colégio, eu já lia o poeta com o maior interesse. Só que esse poema me fascinava e, ao mesmo tempo, desafiava. Que diabo queria dizer esse soneto?

Até que um dia fui procurar o título do poema no dicionário Caldas Aulete. Lá, descobri que áporo (do grego a+poros, sem passagem, sem saída) quer dizer pelo menos três coisas: 1. problema insolúvel; situação sem saída; 2. uma espécie de inseto que cava a terra; e 3. uma orquídea verde. (Curioso: nem o Aurélio nem o Houaiss, hoje, trazem esses três significados. Ambos dão somente um, o primeiro.)

Li o verbete no dicionário e retornei ao poema. Foi realmente um êxtase, um momento de iluminação. Os três significados — e muito mais — estão lá.

“Áporo” já mereceu análises de especialistas como Décio Pignatari, Davi Arrigucci Jr. e Francisco Achcar. Deste último, veja o livro Folha Explica Carlos Drummond de Andrade, Publifolha, 2000. Para uma consulta rápida, parte dessas análises está num ensaio neste link.

 

Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:

em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.
 

 


Carlos Drummond de Andrade
In A Rosa do Povo
José Olympio, 1945
© Graña Drummond

Drummond: 100 anos
Carlos Machado, 2002