Mauro Mota
Caros amigos,
O poeta pernambucano Mauro Mota (1911-1984) nasceu em Recife mas se criou em
Nazaré da Mata, em meio a quintais cheios de frutas, festas em homenagem ao
santo padroeiro, chuvas e formigas de asa. Tudo isso ele transportou para sua
poesia.
Vejam, por exemplo, essa maravilha de poema que é "Chuva de Vento". Sempre que
leio a expressão "chuva de asas" sou forçado a pensar numa revoada de tanajuras.
Mas eu sou do interior. Quem não é talvez pense outra coisa, igualmente bonita.
Aliás, a idéia das tanajuras aparece, mesmo, no poema...
A "Valsinha da Banda de Música Municipal" me faz pensar no personagem seu Miguel
como um Sergeant Pepper de Nazaré da Mata. Toda banda do interior (para quem
conhece, o interior geográfico e o interior de si mesmo) é, na
verdade, uma Banda dos Corações Solitários do Sargento Pimenta. Pelas graças de
Mauro Mota, Lennon & McCartney.
Confiram, por fim, o "Instantâneo". Delicioso. Fofoca provinciana em estado
puro.
Um abraço,
Carlos Machado
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Lembranças do interior
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Mauro Mota |
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CHUVA DE VENTO
De que distância
chega essa chuva
de asas, tangida
pela ventania?
Vem de que tempo?
Noturna agora
a chuva morta
bate na porta.
(As biqueiras da infância, as lavadeiras
correm, tiram as roupas do varal,
relinchos do cavalo na campina,
tangerinas e banhos no quintal,
potes gorgolejando, tanajuras,
os gansos, a lagoa, o milharal.)
De onde vem essa
chuva trazida
na ventania?
Que rosas fez abrir?
Que cabelos molhou?
Estendo-lhe a mão: a chuva fria.
VALSINHA DA BANDA DE MÚSICA MUNICIPAL
Música da
Banda Euterpina
Juvenil de
Nazaré da Mata
tocando ao
luar de prata.
(O seresteiro
achando a rima
da serenata.)
Música pelo
Natal; na festa
da padroeira.
(A procissão,
Nossa Senhora
da Conceição.)
Música nos bailes
de carnaval
e em funeral.
Seu Miguel ensaiava de noite, na Rua
da Palha, para as tocatas coletivas.
Nunca mais deixei de ouvir
as suas noturnas melodias na janela.
Sinto que ele acorda e volta de longe nesta madrugada.
Limpa a farda de tempo e areia,
vem do cemitério de São Sebastião,
vem com a sua valsa de antigamente,
vem com o seu clarinete na mão.
INSTANTÂNEO
No pátio da igreja de São Sebastião,
depois da missa cantada e da comunhão,
Dona Santinha, em perfeito estado de graça,
com o véu, o livro e o terço na mão,
murmurava a um grupinho que Padre João
estava, na sacristia, se derretendo
para a filha mais nova do sacristão.
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