Luís Vaz de Camões
Caros,
É impressionante como um poema consegue se manter belo,
interessante, viçoso, mais de 400 anos depois de escrito. Somente os grandes
poetas — talvez seja melhor dizer: os gigantes — conseguem
esse prodígio.
O português Luís Vaz de Camões (1524?-1580)
é um desses gigantes. Veja-se, por exemplo, o soneto cujo primeiro verso é
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". Com impecável pensamento dialético,
o poeta mostra que tudo se transforma, sempre; e que, além disso, as formas de
mudar também se modificam.
Sempre dialético, ele analisa as contradições do amor em "Amor é um fogo que
arde sem se ver". Por fim, o poeta retoma a história bíblica da paixão de Jacó
por Raquel no excelente "Sete anos de pastor". Se você descontar uma ou outra
palavra mais antiga (soía, do verbo soer, ou seja, acontecer com
freqüência, costumar; ou cautela, no sentido de fraude, ardil) e
expressões como "se não a tivera merecida", são poemas modernos. Na verdade, há
poemas de hoje com aparência menos atual que a desses vetustos sonetos de
Camões. São versos que todo mundo conhece, mas vale a pena revisitá-los.
Um amigo meu, o escritor baiano Valdomiro Santana, não se cansa de repetir que
os verdadeiros gigantes da poesia em língua portuguesa são três: Camões, Pessoa
e Drummond. Ergo um altar pagão e curvo-me diante dessa santíssima trindade!
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Este boletim já estava pronto há algum tempo. Resolvi soltá-lo agora para
estabelecer um contraste. Na edição passada, apresentei o mineiro Ricardo Rizzo,
22 anos, como o poeta mais jovem já enfocado em poesia.net. Camões é, portanto,
o poeta mais antigo...
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Veja outros poemas de Camões no
Jornal de
Poesia.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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Moderno, com 400 anos
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Luís Vaz de Camões |
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Rafael, italiano, As Três Graças (1504-5)
MUDAM-SE OS TEMPOS...
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.
Rafael, Maddalena Doni (1506)
AMOR É UM FOGO...
Amor é um fogo que arde sem
se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Rafael, A padeira (1518/9)
SETE ANOS DE PASTOR...
Sete anos de pastor Jacó
servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prêmio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assim negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida;
começa de servir outros sete anos,
dizendo: — Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida.
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