Ruy Proença
Caros amigos,
O paulistano Ruy Proença, nascido em 1957, vem publicando
poemas desde o final dos anos 70. Seus versos impressionam pelo lirismo meditado
e perscrutador. Um lirismo que não esconde a ânsia de enxergar outros lados nas
coisas, mesmo as mais simples e triviais.
Para este boletim, escolhi três poemas de Ruy Proença. O primeiro, esse belo "A
Invisível Cicatriz", apareceu no caderno Mais!, da Folha de S. Paulo,
em 10/11/2002. O segundo, também muito bonito, é "Réquiem", texto que parece
inspirado numa jovem morta. Por fim, vem "Píton", uma serpente colhida em
notícia de jornal. Um ser, ao mesmo tempo, fantástico e natural.
Além de ter participado de diversas antologias coletivas, editadas aqui e no
exterior, Ruy Proença publicou três livros de poesia: Pequenos Séculos
(Klaxon, São Paulo, 1985); A Lua Investirá com Seus Chifres (Giordano,
São Paulo, 1996); e Como um Dia Come o Outro (Nankin, São Paulo, 1999).
Deste último volume retirei os poemas "Réquiem" e "Píton".
Ruy — que, profissionalmente, é engenheiro de minas — também é tradutor. Ele
verteu para o português uma coletânea do polígrafo francês Boris Vian
(1920-1959): Boris Vian — Poemas e Canções (Nankin, 2001).
Um abraço,
Carlos Machado
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A cicatriz e a serpente
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Ruy Proença |
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A INVISÍVEL CICATRIZ
nascer
é ser novinho em folha
e já deixar cicatriz
viver
é cobrir os outros
de cicatrizes
e ser coberto
mas nem tudo
são cicatrizes
algumas incisões
definitivamente
não se fecham
por isso
aliás
morremos
RÉQUIEM
É tudo mentira.
Tu não verás
a lua apodrecer
entre os edifícios
nem o turvo rio
perder o pulso.
Não verás cortarem
a luz do quarteirão
nem tampouco tombar
a árvore na tempestade.
É tudo mentira.
O sol da mais longa noite
voltará a coroar teu céu.
Terás ainda de sobrevoar
o fogo do asfalto
cuidando para não queimar
teus jovens pés descalços.
E um vento lento
cego
bom
sem sobrenome
arrepiará
o espaço justo
infinito
sob tua saia.
Nele
partirás a galope.
PÍTON
Nasceu a serpente
de duas cabeças.
Os profetas
não vaticinaram o insólito
achado no Sri Lanka.
Nasceu de ovo
natural.
O fotógrafo antecipou-se aos profetas
e registrou-a de forma cabal.
A serpente
única no mundo
é perfeita:
tem quatro olhos
duas línguas
dois cérebros
um estômago.
Deus anda
cada vez mais
científico.
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