Número 48

São Paulo, quarta-feira, 3 de dezembro de 2003

«O poema deve ser como a nódoa no brim:/ Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.» (Manuel Bandeira)
 


Affonso Manta


Caros amigos,

Affonso Manta nasceu em Salvador (BA), em 1939. Funcionário público federal aposentado, mora em Poções, no sudoeste baiano. É um dos nomes mais expressivos da geração de poetas que surge no começo da década de 1960, em Salvador.

Lirismo confessional, anti-retórica e peculiar captação do prosaico e do lúdico são as linhas de força de sua poesia, cuja obra, porém, ainda não teve a divulgação merecida.

O texto ao lado, "O Realejo de Vinho", foi extraído da coletânea A Cidade Mística e Outros Poemas (1980). Sobre este poema, observa o escritor baiano Valdomiro Santana: "é extraordinário não só em sua realização de poema, mas especialmente naquilo que o faz pulsar para além da leitura, porque vivido, criado e escrito com agudeza de espírito e fina sensibilidade lírica. E isso é cada vez mais raro de se ver. Um poema feliz em tudo, até no título, em que há força e beleza”.

Além do volume citado, Affonso Manta publicou, entre outros, os títulos O Colibri (1973); O Retrato de um Poeta (1983); e No Meio da Estrada (1990). Manta é também autor de versos como: "Sinto no coração um labirinto/ De formas e de cores e de luzes./ Sinto planetas dentro da alma, sinto/  Coisas me atingindo como obuses".

Um abraço,


Carlos Machado


NOTA: O poeta Affonso Manta Alves Dias (1939-2003) faleceu em Poções, BA, na mesma semana em que circulou este boletim. Fica, portanto, esta página como homenagem ao poeta.

Veja mais poemas de Affonso Manta no boletim poesia.net n. 297.


 

Com o vento nos cabelos

Affonso Manta

 


 

 

O REALEJO DE VINHO


Para quem me queira ouvir:
Sou um homem aos frangalhos.
Parte por culpa de tudo.
Parte por culpa de nada.

E digo mais ao casual
Ouvinte deste relato:
Não sendo herdeiro nem rico,
Não tenho crédito na praça.

Amo as japonas escuras
De mangas e tudo vasto.
E os colarinhos puídos
Uso desabotoados.

Ao pôr a minha gravata,
Fabrico um laço bem largo.
E acho triste andar com ela.
E mais tristes as gravatas.

Eu nunca faço questão
Que uma roupa seja cara.
Mas ampla e, sendo possível,
Com certo ar desesperado.

Eu prefiro aos bons charutos
Um velho e forte cigarro.
E odeio fumar cachimbo
Pois sou muito angustiado.

No mais, um vento me agita,
Interior e largado.
E me devasta os cabelos,
Rosto, sorriso e palavra.

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2003
 

In Affonso Manta
A Cidade Mística e Outros Poemas   
s/ed., Salvador, 1980