Número 67

São Paulo, quarta-feira, 5 de maio de 2004 

«Os perfeitos moram na barriga de Deus. Nós não.» (Antonio Brasileiro)
 


Emily Dickinson


Caros,

A americana Emily Dickinson (1830-1886) é um dos poetas mais cultuados em todo o mundo. Desafio dos tradutores, ela já teve versos transpostos para o português por nomes quentíssimos como Manuel Bandeira, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Paulo Henriques Britto e uma série de outros poetas menos conhecidos.

Creio que o interesse dessa seleta plêiade de tradutores já seja o suficiente para apresentar essa incrível poeta oitocentista. Nascida em Amherst, Massachusetts, onde viveu toda a vida, Emily é vista como uma excêntrica. Quando tinha cerca de 30 anos, encerrou-se na casa dos pais, de onde nunca saía. Retirava-se quando chegavam visitas e só era vista em trajes brancos. Embora avessa ao contato social, escrevia muitas cartas.

De seus poemas, escritos em verdadeira clausura, somente sete foram publicados durante sua vida (no total, são cerca de 1800 poemas). Inovadora na linguagem, ela desenvolveu formas originais de expressão. Até sua pontuação, marcada por travessões, é diferente do que fez qualquer outro poeta de sua época. Para alguns analistas, a poeta usava os travessões como uma forma de marcar o ritmo.

Os temas de Emily são perenes. Os editores costumam agrupar seus poemas sob títulos como Vida, Amor, Natureza, Morte, Tempo e Eternidade. Os poemas da Bela de Amherst, como Emily ficou conhecida, foram publicados depois de sua morte, em 1890, 1891 e 1896. Somente em 1955 é que apareceu, pela primeira vez, uma edição de sua poesia completa.

As traduções apresentadas aqui têm as assinaturas de Aíla de Oliveira Gomes — autora de uma coletânea com a recriação em português de cem poemas de Emily —, Augusto de Campos e Paulo Henriques Britto. Os números que identificam os poemas estão conforme a seqüência adotada na obra completa.

Os poemas completos de Emily Dickinson (1775 textos) estão disponíveis na internet, no site American Poems.

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado


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Veja outros poemas de Emily Dickinson no boletim

- poesia.net n. 306

A bela de Amherst

Emily Dickinson

 


219

Ela varre com vassouras multicores
E sai espalhando fiapos,
Ó Dona arrumadeira do crepúsculo,
Volta atrás e espana os lagos:

Deixaste cair novelo de púrpura,
E acolá um fio de âmbar,
Agora, vejam, alastras todo o leste
Com estes trapos de esmeralda!

Inda a brandir vassouras coloridas,
Inda a esvoaçar aventais,
Até que as piaçabas viram estrelas —
E eu me vou, não olho mais.

               Tradução: Aíla de Oliveira Gomes


219

She sweeps with many-colored Brooms —
And leaves the Shreds behind —
Oh Housewife in the Evening West —
Come back, and dust the Pond!

You dropped a Purple Ravelling in —
You dropped an Amber thread —
And how you've littered all the East
With duds of Emerald!

And still, she plies her spotted Brooms,
And still the Aprons fly,
Till Brooms fade softly into stars —
And then I come away —

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245

Tive uma jóia nos meus dedos —
E adormeci —
Quente era o dia, tédio os ventos —
"É minha", eu disse —

Acordo — e os meus honestos dedos
(Foi-se a Gema) censuro —
Uma saudade de Ametista
É o que eu possuo —

               Tradução: Augusto de Campos


245

I held a Jewel in my fingers —
And went to sleep —
The day was warm, and winds were prosy —
I said "'Twill keep" —

I woke — and chid my honest fingers,
The Gem was gone —
And now, an Amethyst remembrance
Is all I own —

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249

Noites Loucas — Noites Loucas!
Estivesse eu contigo
Noites Loucas seriam
Nosso luxuoso abrigo!

Para Coração em porto —
Ventos — são coisas fúteis —
Bússolas — dispensáveis —
Portulanos — inúteis!

Navegando em pleno Éden —
Ah, o Mar!
Quem dera — esta Noite — em Ti
Ancorar!

               Tradução: Paulo Henriques Britto


249

Wild Nights — Wild Nights!
Were I with thee
Wild Nights should be
Our luxury!

Futile — the Winds —
To a Heart in port —
Done with the Compass —
Done with the Chart!

Rowing in Eden —
Ah, the Sea!
Might I but moor — Tonight —
In Thee!

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870

Primeiro Ato é achar,
Perder é o segundo Ato,
Terceiro, a Viagem em busca
Do “Velocino Dourado”.

Quarto, não há Descoberta —
Quinta, nem Tripulação —
Por fim, não há Velocino —
Falso — também — Jasão.

               Tradução: Paulo Henriques Britto



870

Finding is the first Act
The second, loss,
Third, Expedition for
The “Golden Fleece”.

Fourth, no Discovery —
Fifth, no Crew —
Finally, no Golden Fleece —
Jason — sham — too.


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1212

Uma palavra morre
Quando é dita —
Dir-se-ia —
Pois eu digo
Que ela nasce
Nesse dia.

               Tradução: Aíla de Oliveira Gomes


1212

A word is dead
When it is said,
Some say.

I say it just
Begins to live
That day.
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2004

Traduções:
•  "219", "245", "1212"
    Aíla de Oliveira Gomes
    In Emily Dickinson
- Uma Centena de Poemas
    T.A. Queiroz/Edusp, São Paulo, 1985
•  "245"
    Augusto de Campos
    In O Anticrítico
   
Cia. das Letras, São Paulo, 1986
• "249", "870"
   Paulo Henriques Britto