Jorge Luis Borges
Caros,
É difícil escrever sobre escritores exponenciais. Fica sempre a sensação de que
faltou dizer quase tudo. É o caso do poeta, ficcionista e bibliófilo argentino
Jorge Luis Borges (1899-1986), que é seguramente o maior nome das letras em seu
país e um dos pontos altos da literatura mundial no século XX.
Nascido em Buenos Aires, Borges transferiu-se em 1914 para a Suíça, onde
completou o curso secundário. Em 1919, passa a morar na Espanha. No início dos
anos 20, retorna a Buenos Aires. Aí publica, em 1923, seu primeiro livro de
poemas, Fervor de Buenos Aires. Inicia, na mesma época, intensa
colaboração com jornais e revistas.
Em 1955, ele passa a integrar a Academia Argentina de Escritores e assume a
diretoria da Biblioteca Nacional — posição que ocuparia até se aposentar, em
1973. Diretor de biblioteca: nada mais adequado ao modo de ser desse escritor.
Dono de incrível erudição, Borges teve sua vida marcada pela profunda
convivência com os livros.
Com vasta produção em poesia, contos, novelas e ensaios, Borges tornou-se um
clássico moderno. Ele publicou, em separado, volumes de ficção e coletâneas de
poesia. Mas, num movimento nada trivial, não raro misturou prosa e poesia num
mesmo título. Na obra de Borges poesia e reflexão andam sempre de mãos dadas.
Talvez esse seja um dos aspectos que dão ao seu trabalho sua feição clássica e
atemporal.
É certo que, ao longo da vida, Borges, tornou-se um evidente reacionário. Em
1976, por exemplo, apertou a mão de Augusto Pinochet, o sanguinário ditador
chileno, e aceitou dele uma condecoração. Isso lhe tirou de vez a possibilidade
de competir ao Prêmio Nobel de Literatura — galardão que lhe seria mais do que
merecido, em vista de sua estupenda obra.
No livro Pós-Escrito a O Nome da Rosa, Umberto Eco admite que o vilão do
romance, o monge e bibliotecário Jorge de Burgos foi inspirado em Borges. "Todos
me perguntam por que o meu Jorge, pelo nome, evoca Borges, e por que Borges é
tão perverso. Mas eu não sei", escreve Eco. O escritor italiano parece lançar um
olhar contraditório em direção ao argentino. De um lado, reconhece seu magnífico
trabalho. De outro, condena seu alinhamento com o que havia de pior em ditaduras
dos anos 70.
A ambigüidade de Umberto Eco é sintomática. Borges é um exemplo eloqüente de
como a grande arte transcende as limitações humanas do artista. É um escritor
para ser lido e relido. Um fazedor de realidades erguidas com palavras.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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LANÇAMENTO DUPLO
Publicados em revistas e na internet, os poetas Ana Rüsche e Fabio Aristimunho
Vargas reúnem pela primeira vez seus escritos em livro. Ana Rüsche estréia com o
volume Rasgada e Fabio Vargas traz o seu Medianeira, ambos pela
Quinze e Trinta Edições. O lançamento dos dois livros será em São Paulo, na
próxima semana:
Local - Casa das Rosas
(Av.
Paulista, 37)
Data - 20 de setembro, terça-feira
Hora - 20:00
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ANTONIO BRASILEIRO LANÇA SEUS POEMAS REUNIDOS
Registro, com satisfação, o lançamento do volume Poemas Reunidos, de
Antonio Brasileiro, poeta baiano radicado em Feira de Santana. Criador do grupo
Hera e da revista homônima — a publicação literária independente de maior
longevidade no país —, Brasileiro compila nesse livro o conteúdo de sete
coletâneas anteriores.
Em minha opinião, Brasileiro é, sem favor, uma das vozes mais importantes da
poesia contemporânea brasileira. Pena que sua produção seja pouco conhecida. É
de lamentar que o volume Poemas Reunidos, lançado pela Secretaria de
Cultura da Bahia, não tenha circulação comercial. Assim, a maior parte de vocês,
que lêem esta nota, não vai poder atestar minha afirmação sobre a alta qualidade
da obra desse poeta.
Brasileiro foi tema do
poesia.net. n. 26.
Visite, ou revisite, o boletim e veja alguns dos poemas que estão nesse novo
livro.
Aproveito o espaço aqui e acrescento mais dois:
DAS COISAS MEMORÁVEIS
Um dia o mundo inteiro vai ser
[ memória.
Tudo será memória.
As pessoas que vemos transitar
[ naquela rua,
as gentis ou as sábias, ou as más,
[ todas, todas.
E o mendigo que passa sem o cão,
o ginasta, a mãe, o bobo, o cético,
[ a turista.
Deus, inclusive, regendo o fim das
[ coisas
memoráveis, também será
[ memória. Deus
e os pardais.
E os grandes esqueletos do Museu
[ Britânico.
Todo sofrimento será memória. Eu,
[ sentado aqui,
serei só estes versos que dizem
[ haver um eu
sentado aqui.
De Pequenos Assombros (1998/2000)
DIVISOR DE ÁGUAS
Prezados senhores, somos todos
da mesma cepa se vistos de
[ binóculo.
Mas não somos os mesmos.
Eu, com meus poemas
[ indevassáveis
vós, com vossas gravatas
[ coloridas/
eu, com esta consciência de mim
vós, com vossa mesa farta/
eu, buscando o sempre inatingível
vós, com vossas gravatas
[ coloridas/
eu, meditando muito sobre vós
vós, com vossa mesa farta
Não somos da mesma cepa, mas
[ vistos
de binóculo somos os mesmos.
Eis uma grande injustiça.
De A Pura Mentira (1978/1982) |
O fazedor
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Jorge Luis Borges |
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THE UNENDING GIFT
Tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques
Um pintor nos prometeu um
quadro.
Agora, em New England, sei que morreu. Senti,
como outras vezes, a tristeza de
compreender que somos como um sonho.
Pensei no homem e no quadro perdidos.
(Só os deuses podem prometer, porque são
[ imortais.)
Pensei num lugar prefixado que a tela não
[ ocupará.
Pensei depois: se estivesse aí, seria com o tempo
uma coisa a mais, uma das vaidades ou
hábitos da casa; agora é ilimitada,
incessante, capaz de qualquer forma e
qualquer cor e a ninguém vinculada.
Existe de algum modo. Viverá e crescerá como
uma música e estará comigo até o fim.
Obrigado, Jorge Larco.
(Também os homens podem prometer, porque na
[ promessa há algo imortal.)
THE UNENDING GIFT
Un pintor nos prometió un cuadro.
Ahora, en New England, se que ha muerto. Sentí
como otras veces, la tristeza y la
sorpresa
de comprender que somos como un
sueño.
Pensé en el hombre y en el cuadro
perdidos.
(Sólo los dioses pueden prometer, porque son
[ inmortales).
Pensé en el lugar prefijado que la tela no
[ ocupará.
Pensé después: si estuviera ahí, sería con el
tiempo esa cosa más, una cosa, una de
las
vanidades o hábitos de mi casa; ahora
es
ilimitada, incesante, capaz de
cualquier
forma y cualquier color y no atada a
ninguno.
Existe de algún modo. Vivirá y crecerá como una
música, y estará conmigo hasta el
fin.
Gracias, Jorge Larco.
(También los hombres pueden prometer, porque
[ en la promesa hay algo inmortal).
De Elogío de la Sombra, 1969
ARTE POÉTICA
Tradução de Rolando Roque da Silva
Mirar o rio, que é de tempo e
água,
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que passam os rostos como a água.
E sentir que a vigília é outro sonho
Que sonha não sonhar, sentir que a morte,
Que a nossa carne teme, é essa morte
De cada noite, que se chama sonho.
E ver no dia ou ver no ano um símbolo
Desses dias do homem, de seus anos,
E converter o ultraje desses anos
Em uma música, um rumor e um símbolo.
E ver na morte o sonho, e ver no ocaso
Um triste ouro, e assim é a poesia,
Que é imortal e pobre. A poesia
Retorna como a aurora e o ocaso.
Às vezes, pelas tardes, uma face
Nos observa do fundo de um espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria face.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Humilde e verde. A arte é essa Ítaca
De um eterno verdor, não de prodígios.
Também é como o rio interminável
Que passa e fica e que é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.
ARTE POÉTICA
Mirar el río hecho de
tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostros pasan como el agua.
Sentir que la vigilia es otro sueño
que sueña no soñar y que la muerte
que teme nuestra carne es esa muerte
de cada noche, que se llama sueño.
Ver en el día o en el año un símbolo
de los días del hombre y de sus años,
convertir el ultraje de los años
en una música, un rumor y un símbolo,
ver en la muerte el sueño, en el ocaso
un triste oro, tal es la poesía
que es inmortal y pobre. La poesía
vuelve como la aurora y el ocaso.
A veces en las tardes una cara
nos mira desde el fondo de un espejo;
el arte debe ser como ese espejo
que nos revela nuestra propia cara.
Cuentan que Ulises, harto de prodigios,
lloró de amor al divisar su Itaca
verde y humilde. El arte es esa Itaca
de verde eternidad, no de prodigios.
También es como el río interminable
que pasa y queda y es cristal de un mismo
Heráclito inconstante, que es el mismo
y es otro, como el río interminable.
De El Hacedor (1960)
AS COISAS
Tradução de Ferreira Gullar
A bengala, as moedas, o
chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro,
Um livro e em suas páginas a ofendida
Violeta, monumento de uma tarde,
De certo inesquecível e já esquecida,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas e taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão muito além de nosso olvido:
E nunca saberão que havemos ido.
LAS COSAS
El bastón, las monedas, el
llavero,
la dócil cerradura, las tardías
notas que no leerán los pocos días
que me quedan, los naipes y el tablero,
un libro y en sus páginas la ajada
violeta, monumento de una tarde
sin duda inolvidable y ya olvidada,
el rojo espejo occidental en que arde
una ilusoria aurora. Cuántas cosas,
limas, umbrales, atlas, copas, clavos,
nos sirven como tácitos esclavos,
ciegas y extrañamente sigilosas
durarán más allá de nuestro olvido;
no sabrán nunca que nos hemos ido.
De Elogío de la Sombra, 1969
FRAGMENTOS DE UM EVANGELHO APÓCRIFO
(trechos)
Tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques
27. Não falo de vinganças nem
de perdões; o esquecimento é a única vingança e o único perdão.
30. Não acumules ouro na terra, porque o ouro é pai do ócio, e este, da tristeza
e do tédio.
33. Dá o santo aos cães, atira tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar.
41. Nada se edifica sobre a pedra, tudo sobre a areia, mas nosso dever é
edificar como se fosse pedra a areia...
FRAGMENTOS DE UN EVANGELIO
APÓCRIFO
27. Yo no hablo de venganzas ni de perdones; el olvido es la única venganza y el
único perdón.
30. No acumules oro en la tierra, porque el oro es padre del ocio, y éste, de la
tristeza y del tedio.
33. Da lo santo a los perros, echa tus perlas a los
puercos; lo que importa es dar.
41. Nada se edifica sobre la piedra, todo sobre la arena. Pero nuestro deber es
edificar como si fuera piedra la arena...
De Elogío de la Sombra, 1969
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