Número 225 - Ano 5

São Paulo, quarta-feira, 5 de setembro de 2007 

«Todo homem tem seu próprio pedaço de terra a cultivar. O importante é que ele cave fundo.» (José Saramago)
 


Gilberto Mendonça Teles


Caros amigos,

Poeta, ensaísta e professor, Gilberto Mendonça Teles nasceu em Goiás, em 1931. Publicou seu primeiro livro de poesia, Alvorada, em 1955, e entre suas obras estão A Raiz da Fala (1972), Arte de Armar (1977) e Álibis (2000). Em 1978 Mendonça Teles compilou seu trabalho até então no volume Poemas Reunidos, lançado pela José Olympio.

Na área do ensaio, um de seus trabalhos de maior destaque é Drummond: A Estilística da Repetição, publicado em 1970. Esse ensaio correspondeu à tese de doutoramento do autor na PUC-RS.

Embora Mendonça Teles seja um autor prolífico, se você fizer uma busca nas livrarias, vai encontrar poucas obras dele. Há, com certeza, um volume da coleção Os Melhores Poemas, da Global Editora, que saiu em 1993. Os textos ao lado foram extraídos do livro Plural de Nuvens, de 1990. 

Em "Teatro de Arena", o autor, bem-humorado, brinca com expressões em que entram a palavra "papel" e seus múltiplos significados. Em "Ludus", como o próprio título anuncia, mais uma vez o poeta joga com as palavras — "jogo de truque e blefe de poema". Em "Aqui e Agora" a brincadeira continua. É ela, na verdade, que dá o tom de todo o Plural de Nuvens.


Um abraço,


Carlos Machado

 

 

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poesia.net em números

Em junho — já contei isso a vocês — o site Alguma Poesia, que abriga este boletim, registrou 1023 visitas diárias, para um total de 30,7 mil visitas no mês. Em julho, mês de férias, esses números caíram para 803 visitas diárias (24,9 mil em todo o período).



Agora em agosto, os números voltaram a crescer: a média foi de 1100 visitantes por dia (total: 34,1 mil visitas). Agosto também marca um recorde: no dia 29, 1745 internautas passaram pelo site.


NAS CIDADES

Quanto às cidades que mais visitam o site, não há novidade. Em ordem decrescente: São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Florianópolis e Goiânia. Até aí são dez. Agora, tem um doce quem adivinhar a décima primeira. Pensou? Aposto que não acertou. Fica do outro lado do Atlântico — Lisboa! Portugal é também o país número 2 em visitas, seguido de Estados Unidos, Espanha, Japão e Argentina.

Plural de nuvens

Gilberto Mendonça Teles

 


TEATRO DE ARENA

Estou desempenhando o meu papel-
carbono: aqui está o seu nome
como uma tatuagem no meu peito.
Aqui, o acetinado para as suas mãos
e o aéreo para uma viagem clandestina.

Já fui como um papel almaço
muito bem pautado e com margens
para as emendas e correções.

Amanhã serei algum papel de embrulho
se não for um desses papéis de oficio
com timbre e protocolo para comunicar
oficialmente a seu marido

que entrei em gozo de férias
ou de licença-prêmio com você.

Hoje eu sei me transformar
nos papéis mais difíceis:
ser bufão como um papel bouffant,
faminto como um papel de arroz,
discreto como um papel de alcova,

fino como um papel de linha,
sensual como um papel de rolo
para as nossas abluções.
Mas também um autêntico linha-d’água
só para ver você na contraluz.

Já representei papéis estrangeiros:
China, Índia, Holanda, Japão.
Você pode fazer de mim o seu correio,
o seu papel-moeda ou papelão.

Quando você me receber, não me olhe de soslaio,
apesar de ser muito bonita esta palavra.
Me olhe de banda, que é a coisa mais linda,
e me guarde no bolso da calça, bem em cima
daquele sinal na coxa esquerda.
Depois, antes que alguma coisa aconteça,
me tire da cabeça.

Um dia,
quando a roupa voltar da tinturaria
e este poema perder seu significado,
você me encontrará todo enrugado:

— Que papel será este? E por capricho
me deitará no lixo.



LUDUS

                  Tolle, lege.
                       Santo Agostinho

Toma a palavra, e principia. Tudo
tem um pouco de ti: um sol, um sema.
No fundo, teu desejo:
                                lodo e ludo,
jogo de truque e blefe de poema.

Toma este livro, toma e lê (ou lege);
não só um tomo, a obra inteira soma
à solidão maior que te protege
como um corpo de baile no idioma.

E toma ao pé da letra o que combina
com teu gosto e prazer:
                                    o cimo, a suma
de todos os sabores,
                               vitamina,
quintessência final de coisa alguma.



AQUI E AGORA

Procuro o aqui e o agora,
o agoraqui, o que já foi
e continua: a cor de outrora
no couro curtido de um boi.

Procuro o que está sendo,
o que se acende, o que se apaga,
o acontecido acontecendo,
sombra de peixe fora d'água.

Procuro o que figura
no que perdi te procurando,
o que se gastou na usura
do que me vem de vez em quando.

Procuro o que projeto
além de mim, no que me sobra:
talvez a sombra de um inseto
na plantação da minha obra.

Procuro o procurar-te,
o que sempre fiz e não sei.
Talvez o aqui e o agora, a parte
do que ficou fora da lei.
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2007

Gilberto Mendonça Teles
•  In
Plural de Nuvens
   José Olympio, Rio de Janeiro, 1990
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* José Saramago, em discurso num encontro literário em    
   Lisboa, junho de 2007. Citado na reportagem
   "The Unexpected Fantasist", de Fernanda Eberstadt, in
   The New York Times, 26/8/2007.