Júlio Machado
Caros,
Mineiro de Pouso Alegre, nascido no ano da graça de
1975, Júlio César Machado de Paula é mestre em letras pela USP e atualmente
desenvolve pesquisa de doutorado na UFMG. Poeta e contista, publicou O
Itinerário dos Óleos, livro de poemas premiado no Festival Xerox/Livro
Aberto em 1997.
Com Mimnas, volume inédito, recebeu o Prêmio Nascente, organizado pela
USP e Editora Abril, edição de 2002. Júlio Machado tem outros trabalhos
premiados e também desenvolve experiência autoral na área de teatro. Os poemas
mostrados ao lado são todos inéditos em livro.
Profundamente arraigada ao solo mineiro, a poesia de Júlio Machado tem a marca
das meditativas paisagens das Minas Gerais. É o que se pode intuir de versos
como "O viés ameno de um vento / o obrar em esculturas de esterco / seco, em
alto e baixo / relevo". Ou, então, a enumeração interiorana expressa em: "folhas
de lírios, /
fios de larvas, / achas de lenha, /
pedras, rios".
Outra imagem que fecha mineiramente o poema "Lassidão" é esse sol que, ao
fim da tarde, se enterra como olho de boi na paisagem. Na verdade, aqui não
estamos mais nos domínios da geografia, mas num estado de espírito, vasto e
contemplativo. "Minas é dentro e fundo", avisou Drummond. Talvez também
seja esse o sentimento de Júlio Machado.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
LANÇAMENTO
Luiz Ruffato
- De mim já nem se lembra
O escritor Luiz Ruffato lança hoje, quarta-feira, a narrativa De mim já
nem se lembra, que sai pela Editora Moderna.
Data: 24/10/2007
Hora: A partir das 19h00
Local: Centro Cultural Diadema
Teatro Clara Nunes
Rua Graciosa, 300
Centro - Diadema -
SP
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Olho de boi na paisagem
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Júlio Machado |
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Bela de Kristo, húngaro, Natureza morta e cortinas
ÂNGELUS
Sob o sono dos sinos, silente, o caminho velho, de ferro entre os
telheiros.
Telégrafos telégrafos telégrafos de interrompidos fios, hirtos
restos de renda, sem bilros.
Moleza discreta de insetos, frios no chão de areia ou sob o oco
da madeira: dormentes, urupês, orelhas.
Apenas, leves, borboletas, amarelo sobre a ausência de cabeças, o
prisco rasgo de céu azul, sem sutilezas.
O viés ameno de um vento, o obrar em esculturas de esterco seco,
em alto e baixo relevo.
Muro branco de azulejos, pele de reboco entre avenca e fendas,
resguardo do que foi, se já não era. Heras.
Heras.
Bocejo ao longe, parco fôlego em carvão e bronze do
último trem, que não viera.
Um resto de banco, o chicote, o colchete, bota e esporas do estafeta,
cuja boca, que hoje escarra,
já não beija.
E um medo em mim, que vejo, de que a vida
isso mesmo (e só) seja.
Bela de Kristo, O sol amarelo
LASSIDÃO
A couve ao sol, o boi ao chão,
dormem o sono lento (o inverno) que dormiriam folhas de lírios,
fios de larvas, achas de lenha, pedras, rios.
(E a couve mais, que presa ao chão, como nasceu, pouco se move
em benefício de seu verdume, seu viço).
Mas sobre a relva, em meio à tarde, ou precipício do sol, sem
mais, quando se enterra, o olho do boi, que se revela, rumina
em lenta espera o olho da cancela, que para fora
se abre e não mais se fecha.
Bela de Kristo, Composições com cilindros
ESTRABISMO
Chega à beira do poço; mede nele o intervalo que vai de um olho a
outro.
Mede nesse intervalo o eixo torto que faz do esquerdo, o direito.
Vê como esse esquerdo reconhece sem medo o que em Narciso é feio.
Repara no direito a lágrima em coalho, véu de leite tão velho.
Faz do suco da lágrima a beleza que turva, ledo, o engano da água.
Esquece então que és caolho: Faz do intervalo um elo, da água
turva, um espelho.
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