Nydia Bonetti
Caros,
Já faz algum tempo que acompanho o trabalho de Nydia Bonetti.
Trata-se de uma poeta que se deu a conhecer, discretamente, num blog. Depois,
pouco a pouco, foi espalhando seus escritos em páginas da internet até chegar às
antologias em livros e revistas e às coletâneas individuais de poesia.
Sua presença na internet é impressionantemente forte: uma busca no Google pelo
nome da poeta, neste início de março/2014, traz como resposta quase 52 mil
resultados. Em papel-solo, Nydia até agora publicou os livros Instante Estante
(Castelinho Edições, Porto Alegre, 2012) e Sumi-ê (Editora Patuá, São Paulo,
2013).
•o•
Nascida em 1958 na cidade paulista de Piracaia, onde vive,
Nydia Bonetti é engenheira civil de formação. A autora mantém o blog
Longitudes e
também colabora com assiduidade na revista online
Mallarmagens.
Publica ainda o blog
Minimus Cantus,
onde publica somente poemas brevíssimos em estilo de haikai.
A poeta
conta que produz poesia desde os 13 anos. “Escrevo para exorcizar meus bichos”,
diz ela numa entrevista. Revela também que, embora engenheira, trabalhou muitos
anos como bancária e também teve uma loja de produtos naturais. Só depois foi
trabalhar mais próxima da engenharia, com uma irmã que é arquiteta. “Mas faço
mais um trabalho burocrático”, informa.
•o•
Os poemas da miniantologia ao lado foram extraídos do blog
Longitudes. Um detalhe: para facilitar a referência, os textos não titulados
pela autora receberam como título o primeiro verso entre colchetes.
•o•
No trabalho poético de Nydia Bonetti, essencialmente
lírico, é possível identificar uma forte vertente, voltada para as indagações
dos estados da alma e as inquietudes do ser – inquietudes e indagações que quase
sempre se apresentam por meio de elementos naturais. Assim, águas, rios, animais
e árvores têm presença muito viva na poesia de Nydia.
Isso é o que se
pode constatar lendo poemas como “Os Pássaros do Silêncio”, “[Como se o Tempo
Fosse um Bicho]” e “[Cheguei Há Pouco do Fundo do Rio]”, transcritos ao lado.
Outra característica da poesia de Nydia Bonetti é a reflexão. Poemas
curtos como “Patético (Humano)” e “O Tempo Insiste” são pílulas de pensamento
sobre fatos ou situações do cotidiano. O primeiro reflete sobre a intrépida
tarefa do goleiro, que tenta a todo custo evitar o gol, sabendo que vez por
outra não conseguirá manter esse objetivo.
No outro poema, a metáfora do
tempo arrastando “móveis pesados” representa as dificuldades naturais que surgem
pela vida, assim como o piano que, por exemplo, deve ser levado para um ponto
mais alto e acaba tombado na rua.
A tonalidade lírica está quase sempre
marcada por algo inalcançável ou desconcertante. É o que se nota nos versos:
"Você me tiraria pra dançar / pergunto / mas não há música". Ou então: "de que
cor eram mesmo / os olhos / da memória?"
Mais impressionante ainda é o
poema "[Cheguei Há Pouco do Fundo do Rio]". Há nele um clima onírico, certa
sensação de afogamento ("Tenho agora / a pele coberta de escamas / e lodo") e,
por fim, o pesadelo subaquático é sustado pela intervenção de uma ave salvadora.
Um abraço, e até mais ler,
Carlos Machado
•o•
SARAU
Poeta inacabado
• Homenagem
a Donizete Galvão
Escritores
de vários gêneros e gerações se juntam em São Paulo numa homenagem que mostrará momentos
essenciais da poesia de
Donizete
Galvão (1955-2014), desaparecido há cerca de um mês.
Data: 11/03, terça-feira Hora: 19h30 Local: Casa das Rosas Espaço
Haroldo de Campos de Poesia Av. Paulista, 37 - Bela Vista
São Paulo - SP
|
Você me tiraria pra dançar?
|
Nydia Bonetti
|
|
OS
PÁSSAROS DO SILÊNCIO
Vou
construir um ninho dentro do meu quarto. Quando vierem os pássaros do
silêncio pedirei que cantem e que se alojem entre os gravetos.
Somos frutos da mesma dor.
Tememos o esquecimento. Na minha
blusa falta um botão. Tecida em que tear a trama que nos faz sangrar?
Sobre a cadeira jazem feridas cordas de um violino.
Tripas.
Convulsas entranhas. Vou abrir as janelas. Por quê? Não ouço mais os
pássaros do silêncio asas de cambraia. Feito as cortinas. As paredes
estão mortas.
Caiadas.
Um Paganini solitário descansa,
distante pendurado num prego enferrujado. Alto relevo. Há uma
conspiração lá fora. Fecho as janelas e ouço. O piar de corujas.
Claudio Tozzi, Paisagem (1980)
SOLARES
outra vez
me ronda a poesia
agora é assim
quase uma sombra
colada em mim
não
ela é o sol
eu, a sombra
PATÉTICO (HUMANO)
tenho pena do goleiro
patética figura (tão humana)
sempre à espera
do que não pode ser eternamente
contido
O TEMPO INSISTE
o tempo insiste em arrastar móveis pesados
há sempre um piano que não passa na porta
notas suspensas
cordas frágeis
que sempre ruem
antes que o piano toque a rua
em áspero ruído
Claudio Tozzi, Dança (2000)
[OUÇAM
ECOS — INVARIAVELMENTE —
CHEGAM]
ouçam os ecos — invariavelmente — chegam temível /
exército / de bárbaros atravessam fronteiras rasgam o peito e atingem
o alvo / concêntrico
que dizem? indecifráveis vozes / sons de
machados rodas d’água / serras — um certo (en)canto que sempre longe
haverá
pássaro
galopam / cavalos / nas pedras / ouçam
cavaleiros empunham bandeiras — estranhamente brancas / rasgadas — onde
se lê:
palavras
flores se curvam / lagartos se esquivam —
chegada a hora não marcada — o tempo que percussivo ecoa no verso
vento
ouçam
Claudio Tozzi, Trama Urbana (2000)
[O NOME... JÁ NÃO ME LEMBRO DO NOME]
o nome... já não me lembro do nome da memória os
olhos de que cor eram mesmo os olhos da memória?
tinha
boca vermelha e cantava não ouço mais a canção da memória eram fortes
e ternas as mãos imensas da memória
me lembro agora — vagamente
tinha um corpo a memória um rosto
tinha alma
restam os
ossos / então / guardados numa caixa de vidro pequena
nas
noites quentes estalam
um dia / tudo / será / pó e serei eu a
soprar / pois não há vento na casa da memória
[CHEGUEI HÁ POUCO DO FUNDO DO RIO]
Cheguei há pouco do fundo do rio.
Andei em busca do que. Em
terra não encontro.
Tenho agora a pele coberta de escamas
e lodo
e os olhos verdes
do limo / dos olhos / dos peixes.
Vieram pássaros / tentaram me levar.
A imagem da superfície
era. Apenas reflexo.
Silencioso e calmo / o rio.
No fundo
todas as pedras são. Roladas
e os olhos dos peixes refletem
as pedras e as sombras
das árvores que não toquei.
O vento
A folha
O vento
E a garça / finalmente
mergulha e me resgata.
Claudio Tozzi, Parafusos 30-86 (1970)
[VOCÊ ME TIRARARIA PRA DANÇAR]
você me tiraria pra dançar pergunto mas não há
música você diria nenhuma voz na memória dos pés uma canção
antiga na memória dos sentidos nós
[COMO SE O TEMPO FOSSE UM BICHO]
como se o tempo fosse um bicho
uma fera do pântano agarro-o pelas crinas ele se vira e me olha
com seus olhos de lava e cinzas dragão ressurgido dos escombros
(ancestral das aves que renascem para morrer todos os dias ao pôr
do sol) autofágica criatura ruminante de asas tritura gente e flor
e pedra e bicho que encontra no caminho bulímico — regurgita pedaços
acende a pira onde tudo arde e finalmente num gran finale
trágico previsível e recorrente — se atira e então — tudo é noite
Claudio Tozzi, Escada
[AO DEIXAR SUA TERRA SABIA]
ao deixar sua terra sabia
que era pra não voltar todo exílio é afronta e corte que jamais
cicatriza pele que sangra herança que trago nos olhos ele voltou
quis morrer sozinho numa terra que já não era sua (já não
tinha mais terra) e ficou por lá virou pó sob pedra a mesma
que o manteve e o matou:— flor nenhuma alguma prece
[UMA LASCA DE MADEIRA]
uma lasca de madeira sob as unhas eis a dor do poema que não se
liberta alienígenaestranhapalavra-espinho entre carne e pele que
faz doer a alma e sangra
|