Amigas e amigos,
Para quem se debruçar sobre a obra do baiano Antonio Brasileiro (Ruy
Barbosa-BA,1944-) não será difícil perceber que se trata de um poeta permanentemente dedicado à reflexão filosófica. Em toda a sua trajetória,
desde a estreia nos anos 60, Brasileiro confirma-se como praticante de um lirismo eminentemente pensador.
Não é diferente agora com o lançamento de Como Aquela Montanha Sossegada (Mondrongo, 2018). Desde o título, o poeta já sinaliza a
disposição de contemplar e refletir sobre as coisas do mundo e os caminhos do ser humano.
Antonio Brasileiro já esteve nesta página em várias edições: n. 26,
em 2003; n. 293, em 2013; e
n. 351, em 2016 — isso sem contar sua inclusão em
boletins coletivos, como o recente n. 416, a primeira
edição deste ano.
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Na nova coletânea de Antonio Brasileiro a disposição reflexiva do poeta perpassa praticamente todos os poemas. Selecionei para este boletim
seis dos mais de cem textos do livro. No primeiro deles, “Canção”, o poeta trabalha com uma série de sutilezas. Uma delas aparece logo na
estrofe inicial: “Pus minha vida num barco / e pus o barco no mar”.
São versos que, de propósito, ecoam aqueles do poema também chamado “Canção” da musical Cecília Meireles: “Pus o meu sonho num navio /
e o navio em cima do mar; / — depois, abri o mar com as mãos / para o meu sonho naufragar.” Brasileiro começa de forma similar. Contudo,
em vez do sonho, ele põe a vida num barco e lança o barco no mar. Em seguida, aplica um segundo golpe: para quem espera uma saborosa
rima ceciliana, vem o desconforto de dois versos desajustados: “cometi erro e façanha / e estou ficando velho.”
A música se quebra, o leitor perde o embalo do ritmo e é praticamente
forçado a pensar. Na segunda estrofe, o mal-estar continua: “vejo as pessoas que passam: / algumas parecem tristes / outras carregam
embrulhos”. Não passa despercebido o zigue-zague dos versos entre coisas que estão na esfera da subjetividade (tristeza, sentimento
de estar velho) e
gestos completamente pedestres e banais, como carregar embrulhos.
No final, o poema oferece a rima esperada, mas só depois de dizer que não sabemos quem somos nem para onde vamos. Portanto, nosso
barco vai à deriva. O último verso, mais curto, traz a rima, mas impõe nova quebra de expectativa: muda-se o ritmo, encerrando o poema.
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No poema seguinte, “A Festa”, o poeta retoma a metáfora da viagem marítima. Mas agora a dúvida é de outra natureza: estamos todos no
mesmo barco? Vamos ao mesmo destino, percorrendo as mesmas rotas e derrotas, caminhos e descaminhos? O poeta diz que não: “O mesmo barco
não há”. Não há, nem mesmo do ponto de vista de como entendemos e sentimos a embarcação. O poema revela uma das possíveis diferenças
de percepção: “Há os caminhos dos poetas / e os das pessoas que passam”.
Se em “Canção” Brasileiro entabulava um diálogo dissonante com Cecília Meireles, em “Olha, Daisy” a homenagem se dirige a Fernando Pessoa —
na pessoa de Álvaro de Campos. O engenheiro naval Álvaro de Campos também se dirige em termos bem parecidos a uma certa Daisy londrina.
E aqui também ressurge a metáfora da navegação. O sujeito que se dirige a essa Daisy sente-se velho e cansado, “o homem em sua solitária
barca”. Este verso final reverbera o que está dito em “A Festa”: “Não estamos no mesmo barco”. Também não é demais lembrar que Álvaro de
Campos é engenheiro naval, o que reforça todo o contexto marítimo.
Não resisto, porém, à tentação de divagar: se o mineiro Drummond — outro deus nos altares pagãos de Brasileiro — se autointitulava
“fazendeiro do ar”, não há dúvida de que Álvaro de Campos, criatura volátil, só pode ser um engenheiro naval de mares inventados e navios
sonhados. No poema “Opiário”, o próprio Campos abre o jogo: “Eu fingi que estudei engenharia. / Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda”.
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“Poema”, o próximo texto pinçado em Como Aquela Montanha Sossegada, oferece ao leitor um belo exercício de concisão e sutileza.
A vida, breve e frágil, não passa de um pingo sobre a letra i. Em achados assim, que parecem meras brincadeiras, revela-se toda a força
de observação do poeta que põe o poema para pensar.
Passemos ao último texto de nossa pequena seleção. Neste “Os Passarinhos”, a reflexão, mais uma vez, assume ares de brincadeira despretensiosa.
Mas é puro fingimento. Quem conhece a poesia de Antonio Brasileiro sabe que ele de fato tem os passarinhos na mais alta conta. Outros poemas
deste mesmo livro provam isso.
Conceda-se, portanto, o maior peso poético a estes versos finais: “É bom sempre estar quites / com os passarinhos”.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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LANÇAMENTO
Quase Toda Poesia
• Maria Maia
A poeta e cineasta acreano-brasiliense Maria Maia lança o livro Quase Toda Poesia em São Paulo. O volume reúne seus poemas publicados de 1975 até agora..
Quando:
Quinta-feira, 28/03/2019, às 19h
Onde:
União Brasileira de Escritores (UBE)
Rua Rego Freitas, 454 - 6º andar - cj. 61
São Paulo, SP
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