Amigas e amigos,
Neste boletim o poeta em destaque é o alemão Hans Magnus Enzensberger (1929-2022), um dos nomes mais destacados
da literatura contemporânea de seu país, autor apresentado como poeta, prosador, dramaturgo, ensaísta, tradutor e editor.
Enzensberger já era publicado no Brasil, mas sem muita reverberação no gênero poesia. Numa pesquisa, descobri que existe
um livro de poemas dele, Eu falo dos que não falam, lançado em 1985 pela Editora Brasiliense/Instituto Goethe,
com tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan. Agora, acaba de sair pelo Círculo de Poemas novo título do autor alemão:
Destinatário desconhecido - Uma antologia poética (1957-2023), traduzido por Daniel Arelli, que também fez a
seleção dos poemas e escreveu o posfácio.
Os poemas desta edição foram extraídos dessa nova coletânea.
•o•
Um dos traços característicos da poesia enzensbergeriana é a ironia. Não são poucas suas páginas carregadas de
zombaria e sarcasmo. Exemplo disso é o poema “Para o manual de literatura do ensino médio”. Aí o eu poético se põe
a aconselhar os jovens estudantes: “Não leia odes, meu filho, leia os horários dos trens:
são mais exatos”. Curiosamente, em lugar de poesia, essa voz irônica recomenda leituras de resultados mais práticos.
As propostas corrosivas não param por aí. Mais adiante, a voz ensina que as encíclicas (documentos emitidos pelo papa)
servem para “fazer fogo”, “e os manifestos, para embrulhar a manteiga e o sal / dos indefesos”. No final, propõe ao
estudante “raiva e paciência”, com o objetivo de instilar “nos pulmões do poder / o pó fino e mortífero, moído /
por aqueles que tanto puderam aprender / que são exatos, por você”.
•o•
No próximo poema, “Visitas”, o nível de ironia não é menor. Agora, o poeta se detém a observar o comportamento de
convidados a festas na casa de amigos. O texto é, na verdade, um pequeno catálogo de como as pessoas agem.
Há, por exemplo, “As que sempre chegam tarde / As que desmarcam no último minuto / As que só vão dar uma passadinha”.
Mas há outras mais desagradáveis: “As que sempre contam piadas de judeu / As que sempre sabem quem tem o que com quem /
As que tomam uísque demais”.
Em “O novo homem”, um adulto observa o desenvolvimento de uma
criança (“A cara do pai”), nela projetando a expectativa de que ali desponta, cheia de promessas, a geração do futuro,
uma nova humanidade. No entanto, após numerosas peripécias, a conclusão não é tão animadora: “Então, enquanto /
morremos aos poucos, // ele fica cada vez mais / parecido conosco”.
•o•
Os donos da voz no próximo poema são “Os Ricos”. Na primeira estrofe, admitem que, depois de cada desastre,
revelam-se “abundantes, abastados, abençoados”. Dizem também que os mais pobres “têm culpa de tudo”. E confessam:
“chantageamos, expropriamos, saqueamos”, mas só quando não há outra alternativa.
O poema seguinte, “Middle class blues”, entoa um lamento da classe média: “Não podemos reclamar. / Temos trabalho
a fazer. / Estamos de barriga cheia. / Comemos”. Vem, agora, o último poema da seleção, “Desarmonia preestabelecida”.
Nesse texto o poeta mostra o caos da vida nas grandes cidades. Violências, agressões, ódios dirigidos
não exatamente a inimigos, mas a pessoas que estão no mesmo barco. “Ah, todos nós temos / as mãos cheias de coisas
por fazer. / Não há fim à vista”.
•o•
Hans Magnus Enzensberger, alemão, nasceu em 1929. Poeta, prosador, ensaísta e tradutor e editor, publicou
vários livros sob pseudônimos, como Andreas Thalmayr, Linda Quilt, Elisabeth Ambras e Serenus M. Brezengang.
Em 1944, aos 15 anos de idade, foi recrutado para a milícia nazista Volkssturm, mas conseguiu desertar antes
do final da Segunda Guerra Mundial.
Estudou literatura e filosofia e foi também professor universitário. Entre 1965 e 1975, foi membro do Grupo 47,
que reunia autores e críticos alemães com o objetivo de revitalizar a literatura do pós-guerra.
Enzensberger morreu em Munique, aos 93 anos de idade, em 2022.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
•o•
Visite o poesia.net no Facebook e no Instagram.
•o•
LANÇAMENTO DUPLO
Trecho sujeito a neblina
• Leusa Araujo
Histórias de Desertos e Nascentes
• Leandro Carlos Esteves
São dois livros de contos, de dois jornalistas e escritores. Leusa Araujo traz a público
Trecho Sujeito a Neblina, que sai pela Editora Quelônio. Por sua vez, Leandro Carlos Esteves
apresenta Histórias de Desertos e Nascentes, volume publicado pela Editora Letra Selvagem. No evento,
trechos dos livros serão lidos pelos atores Ana Cecília Costa, Carol Badra e Eduardo Mossri.
Quando:
Sábado, 19/10/2024,
a partir das 11h
Onde:
Biblioteca Mário de Andrade
Rua da Consolação, 94
República
São Paulo, SP
•o•