Amigas e amigos,
Após nossa tradicional pausa de verão, o poesia.net está de volta. Nesta primeira edição do ano,
tenho o prazer de receber, mais uma vez, a poeta potiguar Marize Castro. Desta vez, o que a traz a esta página são
seus dois livros mais recentes: Jorro (2020) e Maroceano (2024), ambos publicados pela Una, de Natal.
Assim como já demonstrou em obras anteriores, Marize Castro, nesses dois novos títulos, exibe refinada aproximação com a
Natureza e, ao mesmo tempo, forte solidariedade com os seres humanos, em especial as mulheres e outros setores sociais
subtraídos de direitos e respeito, sejam minorias numéricas, sejam maiorias minorizadas.
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Passemos à leitura. Jorro é um livro magro, de apenas 64 páginas. Dedicado à memória de uma plêiade formada
por grandes mulheres (a exemplo de Clarice Lispector, Emily Dickinson, Marielle
Franco, Nísia Floresta e Virginia Woolf), a obra contém apenas um longo poema.
Não há divisões nem títulos internos e, ademais, as páginas não são numeradas.
Trata-se, portanto, de um texto único.
Para a minicoletânea ao lado, separei amostras que correspondem exatamente ao conteúdo de duas páginas. A primeira é
“[De minha concha]”, que não é um título, mas as primeiras palavras do trecho.
O eu poético do poema sugere ser uma mulher ou um ser marinho completamente integrado à Natureza. “De minha concha
ouço todos que chegam”, anuncia. De seu ponto de observação, ela aprecia o cortejo dos amantes e sabe também que
existe um matadouro próximo, onde se entregam “novos e velhos corpos”.
Amante da Natureza, ela dirige uma espécie de mantra aos elementos: “toca-me, ar/ toca-me, água/ toca-me, fogo/
toca-me, tera/ toca-me, éter”. Vale notar que estas são exatamente as mesmas palavras que,
páginas antes, abrem o poema.
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O segundo trecho escolhido de Jorro é “Retorno de meu repouso”, contido numa página mais próxima ao fim
do poema. Aqui, o eu poético deixa bem claro seu lado social, posicionando-se ao lado dos indígenas, contra o
escravismo e o estupro. Além disso, em irmandade com animais, vegetais e até os minerais, declara que é
“hora de violar o inviolável / esbofetear a hipocrisia.”
E, entre parênteses, lá no fim, “(não desistir)”. Um detalhe: este último verso não está na mesma página de
“[Retorno de meu repouso]”. Aparece, sozinho, na página seguinte.
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Passemos ao volume Maroceano. Também nesse livro os poemas não recebem títulos nas páginas, embora seja
fácil perceber onde começa cada texto. No sumário, os títulos aparecem: são sempre a palavra (ou frase) que inicia o poema.
Agora, estamos em pleno mar. Não embarcados, mas em meio ao oceano ou, conforme o neologismo de Marize, o “maroceano”.
A própria ilustração na capa do livro mostra uma mulher, no fundo do mar, cavalgando um peixe, rodeada por vários outros
seres marinhos.
O primeiro poema da seleção de Maroceano é “[Observo-me]”. Após localizar-se “entre homens/ e mulheres-livros”,
a pessoa que fala no poema se diz em busca de “um mundo justo”, “um mundo não desigual”. Sabe também que é preciso
“aterrissar no feroz” como a última esperança.
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No poema “[É desamparo o que se vê]”, o eu poético se põe a observar mulheres jovens. E pergunta: “É desamparo o que
se vê entre aquelas moças?”. A resposta, embora não seja declarada, é sim. Tanto que “a beleza esconde-se” e a morte
chora. Quanto ao amor, resta uma indagação.
Vem a seguir o texto “[Aprendi com você]”. Você, neste caso, é a poeta Elizabeth Bishop, autora do conhecido e festejado
poema “A arte de perder”. A poeta homenageante identifica-se com o ensinamento da homenageada: “Também sou viajante /
— lições de geografia me comovem”. E conclui, de forma lírica e doída, que “o amor é o menino que se queima”.
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Chegamos, por fim a “[Está confirmado]”, o último poema da seleção, que é também o texto de encerramento do livro
Maroceano. Nessa página, a poeta Marize Castro levanta-se e pronuncia em voz bem alto o seu gran finale.
Belo e apoteótico.
O que está confirmado? Muitas coisas, grandes coisas. Entre elas estão, por exemplo, sonhos gigantescos: “a poeta
desativará ogivas; / emergirá em brasas dos / confins do nada; incendiará hipócritas; (...) enfrentará o Senhor Guerra (...)”.
A poeta também empunhará o gládio da justiça para denunciar “a prisão de meninas/ africanas (...), escrevendo com
o sangue de suas vaginas/ lamentos de intensa dor”. E mais: “não perdoará ditadores; / não perdoará genocidas;/
gritará em todas as tribunas:/ Gaza pertence a Gaza”.
Mas o amor e a poesia também se fazem presentes entre o que a poeta assevera que está confirmado. Ela “lerá mil
vezes o fragmento 31 de Safo”. Para os mais curiosos, entre os textos poéticos deixados pela poeta grega Safo,
esse fragmento é o mais famoso. Nele
(leia-o aqui) Safo se rói de desejo
e ciúmes porque um homem se aproxima de sua garota preferida.
Os últimos versos da “confirmação” de Marize Castro são metapoéticos. Discorrem sobre para quem e para quê a poesia.
Mas o recado já está dado. Bravo, Marize.
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Formada em comunicação social pela UFRN, Marize Castro (Natal, 1962) trabalha com jornalismo cultural. É também
editora de livros e produz as próprias obras, que saem pela Editora Una, de Natal.
Marize estreou em livro com o volume Marrons Crepons Marfins, em 1984. Depois, já publicou mais sete títulos:
Rito (1993); Poço. Festim. Mosaico (1996); Esperado Ouro (2005); Lábios-Espelhos (2009);
Habitar Teu Nome (2011); A Mesma Fome (2016); Jorro (2020); e Maroceano (2024).
A poeta Marize Castro já esteve aqui no boletim, antes, nas edições
n. 391 e
n. 365.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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