Amigas e amigos,
Para quem gosta de poesia, um dos lançamentos mais importantes deste ano ficará sendo, sem dúvida, a Antologia do Poema em Prosa no Brasil,
organizada pelo poeta e ensaísta Fernando Paixão e publicada
pela Ateliê Editorial em parceria com a Editora Unicamp.
Além de pinçar a extensa seleção de textos, que abrange poetas desde o século XIX até os dias atuais (a antologia tem 376 páginas), Fernando Paixão
oferece ao leitor um substancial estudo sobre o poema em prosa no Brasil. Cronologicamente, o primeiro exemplo localizado é um libelo contra a
escravidão e veio da pena de Gonçalves Dias, publicado em 1850. Mas o poema em prosa só entraria de fato na literatura brasileira, pelas mãos
dos simbolistas, a partir da década de 1890.
A disposição dos poemas na antologia obedece à data de nascimento dos autores. Vêm primeiro poetas-prosadores mais recentes e, lá no
fim, o pessoal do século XIX. Fernando Paixão chama a atenção para as dificuldades legais de sua empreitada. Em muitos casos, não foi possível
obter a autorização para reproduzir os poemas. Assim, nomes como Manuel Bandeira ficaram fora da antologia.
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Para este boletim, selecionei nove poemas de nove autores, cujas minibiografias estão listadas mais abaixo, nesta coluna. Tive o cuidado de escolher
textos mais curtos e também mais próximos do leitor comum. Desse modo, deixei de lado os poemas mais antigos, que em certos casos se estendem até
por mais de duas páginas. Também fugi dos poemas de clima puramente abstrato. [Detalhe: por que nove poetas? O número nove (três ao quadrado),
assim como quatro e dezesseis, facilita a montagem da foto dos autores, acima.]
Avancemos para a leitura. “Eu durmo comigo”, o primeiro poema ao lado, tem a assinatura da gaúcha Angélica Freitas (1973-). Curiosamente,
a autora de certo modo quebra o padrão de prosa, ao incluir no texto barras separadoras como aquelas utilizadas para citar trechos de poemas,
indicando as quebras de versos: “eu durmo comigo / deitada de bruços eu durmo comigo / virada pra direita eu durmo comigo / eu durmo comigo abraçada comigo” (...)
Vem a seguir o poema “No país de José Paulo Paes”, no qual o paranaense Miguel Sanches Neto (1965-) descreve uma visita à casa do poeta
José Paulo Paes, em São Paulo. “A conversa nunca era exaltada,
nem havia farpas vibrando no ar. Com sua voz franca, o poeta iluminava a tarde”, escreve Sanches.
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Em “Jardim de vestígios”, do poeta paulista Marcos Siscar (1964-), o texto compõe-se de frases curtas e diretas, descrevendo cenas.
Exemplo: “O dono do boteco. A roupa de um verde vivo. As mãos da menina enquanto dança. Um carro mal estacionado. O funcionário que olha
desconfiado. Um desconhecido andando à frente. Folhetos no lixo. Um barulho de tiro. A briga depois da esquina”.
O próximo texto é “A doadora”, da poeta carioca Paula Glenadel (1964-). Trata-se de um relato em tom de pequena crônica, sobre uma mulher,
dona de bar, que planeja doar um de seus rins ao marido. “A dona do bar doa porque senão ele morre e isso ela não pode suportar”, raciocina
a poeta.
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O clima de relato urbano continua no texto “Crônica”, do poeta e tradutor carioca Ivan Junqueira (1934-2014). Mas aqui o
tom é de tragédia. “Quando o corpo da criança deu à praia, o céu começou a chorar estrelas e a lua se vestiu de preto”.
O fato causou alvoroço e, contraditoriamente, o texto se fecha com a frase “O bairro do Leblon viveu um dia de festa”.
Isso me traz à mente a letra do samba “De frente pro crime” (João Bosco/Aldir Blanc), na qual uma tragédia também dá lugar a festa.
Segue-se o poema “Do Novíssimo Testamento”, do paulista José Paulo Paes (1926-1998). Com linguagem tipicamente bíblica,
o poeta descreve as torturas aplicadas sobre alguém que, a princípio, parece tratar-se de Cristo: “e depois de o haverem
escarnecido tiraram-lhe a capa vestiram-lhe os seus vestidos e o levaram a crucificar”. Contudo, o último parágrafo desfaz
a ideia inicial. Em vez de uma autoridade romana, quem se pronuncia sobre o caso é “o secretário de segurança”. Logo, não se
trata do Cristo, mas de um cidadão comum maltratado nas ruas, possivelmente pela polícia.
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Vem agora o “O apanhador de poemas”, do gaúcho Mario Quintana (1906-1994). Com muita graça, Quintana diz o que é
preciso fazer para “apanhar um poema”, como se estivesse falando de colher um fruto ou capturar um animal. “Um poema não
se pega a tiro. Nem a laço. Nem a grito”. Mais adiante, ele ensina: “É preciso esperá-lo com assonâncias e aliterações,
para que ele cante”.
Assim como Quintana, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), seu colega de geração, também comparece com um texto
divertido. Em “Declaração de amor”, Drummond esbanja na criação de palavras, partindo dos nomes de espécies florais.
No início, ele atribui à amada nomes de flores normais: “Minha prímula meu pelargônio meu gladíolo meu botão-de-ouro”.
Depois, ele solta as amarras e parte para: “Daliabegônia minha. Forsitiaíris tuliparrosa minhas”. E, como é Drummond,
termina chamando a amada de “Meu cravo-pessoal-de-defunto. Minha corola sem cor e nome no chão de minha morte”.
A última amostra, ao lado, da Antologia do Poema em Prosa no Brasil é o poema “Sentado numa pedra”, do carioca
Dante Milano (1899-1991). Temos aí um texto curto, marcado por infinito desânimo. Uma reflexão áspera como o granito.
“Um céu longínquo, indiferente, inumano. E a terra com a sua dureza”.
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OS POETAS
• Angélica Freitas (Pelotas-RS, 1973) - Poeta e tradutora, estreou em 2007 com a coletânea Rilke Shake.
Lançou em seguida Um Útero É do Tamanho de Um Punho (2012). Foi coeditora da revista Modo de Usar & Cia..
• Miguel Sanches Neto (Bela Vista do Paraíso-PR, 1965) - Escritor, professor e crítico literário. Publicou
contos, romances e poesia. Reuniu seus poemas esparsos, escritos entre 1985 e 2005, na obra Pisador de Horizontes (2006).
• Marcos Siscar (Borborema-SP, 1964) - Poeta, tradutor, ensaísta e professor da Unicamp. Publicou os livros de poemas
Não Se Diz (1999); Metade da Arte (2003); Interior Via Satélite (2010); e Manual de Flutuação Para Amadores
(2015).
• Paula Glenadel (Rio de Janeiro-RJ, 1964) - Poeta, tradutora, ensaísta e professora de literatura francesa na UFF.
Estreou com o livro de poemas A Vida Espiralada (1999) e publicou ainda os livros Quase Uma Arte (2005); e
A Fábrica do Feminino (2008). Veja Paula Glenadel no poesia.net
n. 138.
• Ivan Junqueira (Rio de Janeiro-RJ, 1934-Rio de Janeiro, 2014) - Jornalista, poeta e crítico. Traduziu para o português poetas
como T.S. Eliot, Charles Baudelaire e Dylan Thomas. Estreou com o livro de poemas Os Mortos (1964). Sua
produção poética está em Poemas Reunidos (1999). Leia o Ivan Junqueira poeta no poesia.net
n. 210; e o tradutor no poesia.net
n. 380 e
n. 3.
• José Paulo Paes (Taquaritinga-SP, 1926-São Paulo-SP, 1998) - Publicou mais de dez livros de poemas, entre os quais
Meia Palavra (1973) e Socráticas (2001). Também escreveu livros para crianças e ensaios literários. Foi ainda
editor e tradutor. Veja o José Paulo Paes poeta no poesia.net
n. 258 e
n. 58. Leia o tradutor nas edições
n. 64; e
n. 128;
• Mario Quintana (Alegrete-RS, 1906-Porto Alegre-RS, 1994) - Poeta, jornalista e tradutor. Seu primeiro livro foi
A Rua dos Cataventos (1940). Seguiram-se Canções (1946), Sapato Florido (1948), mais cerca de
20 títulos de poemas, além de livros infantis. Traduziu mais de 130 obras. Quintana apareceu nos boletins
n. 301;
e n. 73.
• Carlos Drummond de Andrade (Itabira-MG, 1902-Rio de Janeiro-RJ, 1987) - Jornalista, poeta, cronista, tradutor.
Um dos nomes de maior destaque do modernismo brasileiro. Estreou com o livro Alguma Poesia (1930) e
publicou quase 30 títulos de poesia, além de mais de 20 seleções de crônicas. Veja Drummond no boletim
n. 476. E aqui um resumo
de todas as páginas com o poeta no site Alguma Poesia:
Drummond
• Dante Milano (Rio de Janeiro, 1899-Petrópolis, 1991) - De origem pobre,
começou como revisor de jornal. Publicou
seu primeiro livro, Poesias, em 1948. Foi também escultor e tradutor de obras de Horácio, Dante Alighieri, Charles
Baudelaire e Stéphane Mallarmé. Aqui, Dante Milano já foi destaque em três boletins:
n. 320;
n. 241; e
e n. 34.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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PRÊMIO CLAUDIO WILLER DE POESIA 2025
Amigas e amigos do poesia.net, em 24 de junho, recebi uma boa notícia
da União Brasileira de Escritores (UBE):
“A UBE anuncia, com alegria, que Carlos Machado,
autor do livro Relógio sem rosto, é o vencedor do
III Prêmio Cláudio Willer de Poesia. (...) A UBE parabeniza Carlos Machado, bem
como todos os finalistas e participantes do concurso”.
O livro Relógio sem rosto é inédito. A UBE vai publicá-lo.
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