Este poema está no Lira dos Cinquent'Anos, livro de Manuel Bandeira
publicado em 1940:
O EXEMPLO DAS ROSAS
Uma mulher queixava-se do silêncio do amante:
— Já não gostas de mim, pois não encontras palavras para me louvar!
Então ele, apontando-lhe a rosa que lhe morria no seio:
— Não será insensato pedir a esta rosa que fale?
Não vês que ela se dá toda no seu perfume?
•
No samba "As Rosas Não Falam", de Angenor de Oliveira, o Cartola, a letra diz:
Mas, que bobagem, as rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti
O samba foi gravado pela primeira vez em 1976. Será que o grande
Cartola leu o poema de Bandeira antes de compor sua obra-prima?
Essa hipótese é, no mínimo, plausível. Havia um comércio de simpatia entre
figuras como Bandeira e Drummond e os sambistas cariocas.
Martinho da Vila até fez, para o Carnaval de 1980, um samba-enredo chamado
"Sonho de um Sonho", que é decalcado no poema homônimo de Drummond.
Drummond homenageou Cartola numa crônica,
Cartola, no moinho do mundo.
Bandeira certa vez escreveu que um verso de Carlos Cachaça (concunhado de Cartola)
era uma obra-prima:
Semente de amor sei que sou desde nascença
(Do samba "Não quero mais" ‒ Zé da Zilda/ Cartola/ Carlos Cachaça).
Sabe-se, também, que Cartola lia poesia. Então, está aí o caldo de
relacionamentos que nos permite supor que o compositor mangueirense
leu o poema de Bandeira.
E, se leu, ponto para ele. Mesmo que a letra de "As Rosas Não Falam" —
que é certamente uma das melhores criações de toda a história do samba —
tenha sido inspirada no poema de Bandeira, e daí?
Aliás, creio que até cabe fazer o seguinte paralelo. Posto diante do universo
da poesia brasileira, ou mesmo somente diante dos poemas de Bandeira, "O Exemplo
das Rosas" não é uma página de destaque. Já "As Rosas Não Falam", como todos
sabemos, é um dos momentos mais altos da música popular brasileira.
E Viva Cartola. Viva Bandeira.
•
A
história contada pelo próprio Cartola sobre a origem do samba é a seguinte.
Dona Zica, sua esposa, cultivava rosas. Um dia, impressionada com a
quantidade de rosas desabrochadas, ela chamou o marido:
— Cartola, vem ver. Por que é que nasceu tanta rosa assim?
Ele respondeu:
— Não sei, Zica. As rosas não falam.
A frase deu o mote para a música.
As rosas não falam, com Teresa Cristina e Carlinhos Sete Cordas
• Outras Palavras Início desta página: 31/03/2014 Nota: Esta crônica foi reproduzida na Revista Prosa Verso
e Arte _______________ * Vinicius de
Moraes "Soneto do Gato Morto", in Poesia Completa &
Prosa, Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1986