Charles Simic
Caros,
O artigo ao lado, "Por que ainda escrevo poesia" (Why I still
write poetry), é um depoimento
bem-humorado escrito pelo poeta sérvio-americano Charles Simic, uma das vozes
mais importantes da poesia contemporânea nos Estados Unidos.
O texto trata de sua experiência como escritor e de como a figura do poeta é vista
pela imprensa e as pessoas no dia a dia. O original foi publicado com data
de 15 de maio de 2012 na revista The New York Review of Books. Fiz a tradução
do artigo e
achei oportuno apresentá-lo a poetas e interessados em poesia no Brasil.
Nascido em Belgrado, na antiga Iugoslávia, em 1938, Simic passou a guerra e
o imediato pós-guerra em seu país natal e aos 15 anos mudou-se para Paris. Em
1954, aos 16, transferiu-se com a mãe e um irmão para os Estados Unidos a fim de
se juntar ao pai, que já residia lá. Charles é na verdade um apelido. Seu nome
original, em sérvio, é Dušan Simić.
Nos Estados Unidos, Simic fixou-se em
Chicago e depois graduou-se em linguística na Universidade de Nova York. Hoje é
professor emérito da Universidade de New Hampshire, onde ensina desde 1973. Foi
também editor de poesia da revista literária nova-iorquina The Paris Review.
•o•
O boletim poesia.net já enfocou a obra de Charles Simic em três edições:
Carlos Machado
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Por que ainda
escrevo poesia
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Charles Simic
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O autor sérvio-americano fala de sua experiência e de como a figura do poeta é vista pelas pessoas
no dia a dia |
Charles Simic em foto de 2014
Quase no fim da vida, quando estava bem velhinha e recolhida a uma casa
de repouso, minha mãe surpreendeu-me um dia perguntando se eu ainda escrevia
poesia. Respondi que sim, e ela me olhou com ar de incompreensão. Tive de
repetir o que disse, até que ela suspirou e balançou a cabeça, provavelmente
pensando consigo mesma: esse meu filho sempre foi um pouco sem juízo.
Agora que estou em meus setenta, de vez em quando pessoas que não me conhecem
também fazem aquela mesma pergunta. Muitas delas, suspeito, esperam escutar de mim
que afinal tomei juízo e abri mão daquela tola paixão juvenil, mas ficam
visivelmente surpresas ao me ouvir confessar o contrário. Elas parecem pensar
que há nisso algo completamente pernicioso e até chocante, como se, em minha
idade, eu estivesse namorando uma colegial e saindo com ela para andar de
patins.
Outra pergunta que poetas, jovens e velhos, enfrentam em
entrevistas é quando e como decidiram se tornar poetas. Assume-se que houve um
momento no qual o poeta percebeu que não havia outro destino para ele senão
escrever poesia, momento seguido pelo anúncio aos familiares — o que leva a mãe a
exclamar “Oh, Deus, onde foi que erramos para merecer isto?” e o pai a brandir o
cinturão e sair perseguindo o atrevido pela casa afora.
Muitas vezes fui
tentado a dizer na cara dos entrevistadores que escolhi a poesia com o objetivo
de pôr as mãos naquele grande prêmio em dinheiro, pois dizer a eles que em meu
caso nunca houve uma decisão como essa inevitavelmente os deixa frustrados. Eles
querem ouvir algo heroico e poético, então digo que eu era um colegial que
escrevia poemas para impressionar as garotas, mas sem nenhuma ambição além
dessa.
Como não sou um falante nativo do inglês, eles também me
perguntam por que não escrevi meus poemas em sérvio e querem saber como tomei a
decisão de abandonar minha língua-mãe. Mais uma vez, minha resposta lhes parece
frívola quando explico que, para a poesia funcionar como instrumento de sedução,
a primeira exigência é que ela seja entendida. Nenhuma garota americana se
interessaria por um sujeito que lê para ela poemas em sérvio, enquanto os dois
tomam Coca-Cola de canudinho.
O mistério para mim é que eu continuei
escrevendo poesia, mesmo quando não havia mais nenhuma necessidade daquilo. Meus
primeiros poemas eram embaraçosamente ruins e os que vieram logo depois não
eram muito diferentes. Conheci pela vida afora muitos jovens poetas com imenso
talento que desistiram da poesia depois de lhes dizerem que não eram gênios.
Ninguém nunca cometeu esse erro comigo, e assim eu segui em frente.
Arrependo-me agora de ter destruído meus primeiros poemas, pois não lembro
mais quem eles tomavam como modelo. Quando os escrevia, eu lia principalmente
ficção e tinha escasso conhecimento dos poetas contemporâneos e modernistas. O
único contato mais amplo que eu tivera com a poesia ocorreu no ano em que
frequentei a escola em Paris, antes de vir para os Estados Unidos. Lá, não só
nos faziam ler Lamartine, Hugo, Baudelaire, Rimbaud e Verlaine como também nos
levavam a decorar poemas deles e recitá-los diante da classe.
Isso era um
pesadelo para mim, um falante rudimentar do francês — e diversão garantida para
meus colegas, que estouravam de rir com minha pronúncia, que destroçava algumas
das mais belas e justamente famosas linhas da poesia e da prosa francesas.
Durante anos, não fui capaz de avaliar o que aprendi naquelas aulas. Hoje,
torna-se claro para mim que meu amor à poesia vem daquelas leituras e
recitativos, que produziram em mim um impacto mais profundo do que eu era capaz
de compreender quando jovem.
Há outra coisa em meu passado que só há
pouco tempo eu compreendi que contribuiu para minha perseverança em escrever
poesia — meu amor ao jogo de xadrez. Aprendi a jogar em Belgrado durante a
guerra. Quem me ensinou foi um professor de astronomia aposentado, quando eu
tinha seis anos de idade. Nos anos seguintes, tornei-me capaz de vencer não
somente garotos de minha idade, mas também muitos adultos da vizinhança. Minhas
primeiras noites de insônia, relembro, deveram-se às partidas que perdia e
ficava recordando em minha cabeça. O xadrez me fez obsessivo e persistente.
Desde então, eu já não era capaz de esquecer um lance errado e cada derrota
humilhante. Eu adorava as partidas em que cada lado era reduzido a poucas peças
e nas quais cada movimento se revestia de grande importância. Ainda hoje, quando
o oponente é um programa de computador (chamo-o de “Deus”) que me supera em cada
nove de dez partidas, não apenas me curvo a sua superior inteligência, mas
também acho minhas derrotas mais interessantes que minhas parcas vitórias.
Os tipos de poemas que escrevo — em geral, curtos e que exigem retoques sem
fim — com frequência me lembram os jogos de xadrez. Dependem de palavra e imagem
serem postas nos lugares adequados e sua finalização deve ter a inevitabilidade
e a surpresa de um xeque-mate executado com elegância.
Claro que é fácil
dizer tudo isso agora. Quando eu tinha 18 anos, minhas preocupações eram outras.
Meus pais haviam se separado e eu estava sozinho, trabalhando num escritório em
Chicago e frequentando a universidade à noite. Depois, em 1958, quando me mudei
para Nova York, mantive o mesmo tipo de vida. Escrevia poemas e publicava alguns
deles em revistas literárias, mas não esperava muito daquela atividade. As
pessoas com quem eu trabalhava e convivia não faziam a mínima ideia de que eu
era um poeta. Eu também pintava um pouco e achava mais fácil confessar
esse interesse a pessoas estranhas.
Tudo que eu sabia com alguma certeza a
respeito de meus poemas é que não eram tão bons quanto eu desejava que fossem e
que eu estava determinado, para minha própria paz de espírito, a escrever algo
que não me deixasse embaraçado ao mostrar aos meus amigos literários. Nesse meio
tempo, apareceram outras coisas mais prementes, como casar, pagar o aluguel,
frequentar bares e clubes de jazz e, toda noite, antes de dormir, armar as
ratoeiras com manteiga de amendoim em meu apartamento na Rua 13 Leste.
[Tradução: Carlos Machado]
poesia.net
Outras Palavras
Carlos Machado,
2015
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• Outras Palavras
Artigo "Why I Still Write Poetry", de Charles Simic
in The New York Review of Books
May 15, 2012 _______________ * Ricardo Aleixo,
"Lema", in Mundo Palavreado (2013)
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