Número 1

Quarta-feira, 4 de setembro de 2002 

"É livre a navegação, mas proibido fazer barcos." (C.D.A.)

  Poema de sete faces                    

Pessoal,

Estou criando um boletim
comemorativo, repetindo algo que fiz 30 anos atrás (há bobagens das quais a gente nunca se cura).

Em 1972 publiquei um artiguete no jornal do diretório acadêmico da Escola Politécnica da UFBa para comemorar os 70 anos do poeta Carlos Drummond de Andrade.

Claro, naquela época, no arroubo dos meus 21 anos, eu queria, além de divulgar poesia, aproveitar as palavras do poeta para "passar um recado" contra a ditadura.

Este boletim — Drummond: 100 anos — é, de certo modo, uma revisitação daquele artigo. Ainda bem: as ditaduras passam, a poesia fica.

Para começar, o texto inaugural da obra de Drummond: "Poema
de Sete Faces", de 1930.

Abraço,

Machado
 



* * *
Centenário do poeta:
31 de outubro de 2002

 

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
 
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
 
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
 
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
 
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
 
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
 
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Drummond: 100 anos
Carlos Machado, 2002

Carlos Drummond de Andrade
In Alguma Poesia
Edições Pindorama
Belo Horizonte, 1930
© Graña Drummond