Número 3

Quarta-feira, 11 de setembro de 2002 

"Deus me abandonou no meio da orgia entre uma baiana e uma egípcia." (C.D.A.)

  Combate

Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002

Embora fosse confessadamente agnóstico, Drummond sempre se preocupou, em sua poesia, com a relação do homem com a divindade.

Para mim, esse "Combate" é um dos textos mais bonitos sobre o tema.
 


Michelangelo, A Criação de Adão (1512)

 

Nem eu posso com Deus nem pode ele comigo.
Essa peleja é vã, essa luta no escuro
entre mim e seu nome.
Não me persegue Deus no dia claro.
Arma, à noite, emboscadas.
Enredo-me, debato-me, invectivo
e me liberto, escalavrado.
De manhã, à  hora do café, sou eu quem desafia.
Volta-me as costas, sequer me escuta,
e o dia não é creditado a nenhum dos contendores.
Deus golpeia à traição.
Também uso para com ele táticas covardes.
E o vencedor (se vencedor houver) não sentirá prazer
pela vitória equívoca.

 

 

Carlos Drummond de Andrade
In Corpo
Ed. Record, 1984
© Graña Drummond
 

 

 

 

 

 

Drummond: 100 anos
Carlos Machado, 2002

— Poeta, Deus existe?

— CDA: A mim é que você vai perguntar? Eu sei lá! Não tenho nenhuma prova de que ele existe. Você acha que ele existe? É opinião sua. Quem afirma que ele existe ou não existe emite uma opinião puramente pessoal, porque não há nenhuma base científica para afirmar ou negar a existência de Deus. O que se pode verificar imediatamente é que existe uma ordem natural, uma organização do universo físico. E essa organização por uns é atribuída a um espírito superior chamado Deus. Por outros é atribuída a um mistério que a natureza vai sucessivamente deslindando — mas ainda está muito longe de esclarecer de todo. Fico no meio. Considero-me agnóstico. Sou uma pessoa que não tem capacidade intelectual e competência para resolver o problema infinito que é se existe ou não existe uma divindade.

   (CDA, em sua última entrevista, concedida a Geneton Moraes Neto.
In O Dossiê Drummond, de Geneton Moraes Neto, Ed. Globo, 1994.)