Número 21

São Paulo, quarta-feira, 28 de maio de 2003 

"Poesia é quando a tarde está competente para dálias." (Manoel de Barros)
 


Renata Pallottini


Caros amigos,

Imaginem uma forma de expressão artística baseada na palavra, e certamente a paulistana Renata Pallottini já percorreu. Poeta, advogada, dramaturga, professora universitária, romancista, ela é um exemplo raro de versatilidade intelectual.

Seus livros contam-se às dezenas: vão da poesia ao romance, dos estudos sobre dramaturgia às peças de teatro e volumes de literatura infantil, sem contar o que Renata escreveu para a televisão. Mas deixemos de lado a artista múltipla e concentremos a atenção na poeta.

Renata Pallottini, se as contas não me enganam, publicou dez livros de poesia. A parte mais ponderável de sua poesia está   em Obra Poética (Hucitec, 1995), que reúne textos de 1956 a 1993. Desse volume extraí "O Grito", um poema forte e cheio de uma sensível valentia humana.

Mas o brinde especial, oferecido pela própria Renata aos leitores deste boletim, é o poema inédito "Senhor Imperador", escrito este ano sob o influxo das bombas anglo-americanas na invasão ao Iraque.

Agora, só nos resta degustar os poemas e agradecer a Renata Pallottini a gentileza de nos franquear um texto inédito.

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado


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Carta ao senhor da guerra

Renata Pallottini

 

 
   SENHOR IMPERADOR

                           (inspirado em Boris Vian)

Senhor Imperador:
escrevo-lhe estas linhas
em nome das mulheres
— as pobres e as rainhas.

Em nome das manhãs
que nascerão sem paz;
em nome das crianças
que nascerão sem pais.

Senhor Imperador:
se é bom fazer a guerra
por que não vai você
o homem que não erra?

Se a pátria pede sangue
por que não dá o seu?
Por que matar o moço
que ainda não viveu?

Um Deus que não o seu
louvando a vida humana
virá pra nos salvar
da garra dos tiranos

dos amantes da morte,
dos senhores da Dor.
Terá fim o seu crime,
Senhor Imperador!


O GRITO

se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos

se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse

se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua  os carros  o espaço  o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre  tem o direito de não sofrer

se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer  doer  doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas

se ao menos esta dor sangrasse
 

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Carlos Machado, 2003



Renata Pallottini
•  "Senhor Imperador"
    Inédito, 2003
•  "O Grito"
    (Original em A Faca e A Pedra, 1965)
    In Obra Poética
    Editora Hucitec, São Paulo, 1995