Antonio Brasileiro
Caros,
O poeta baiano Antonio Brasileiro (1944-) é discreto, muito arredio. "É verdade, forneço sempre poucos ou nenhuns dados sobre mim nos livros",
escreveu-me ele, quando lhe pedi informações pessoais para este boletim.
Mas sua discrição, felizmente, aplica-se apenas ao campo pessoal. Em literatura,
ele fala alto e para fora: professor universitário e editor, ele vem publicando
poemas, ensaios, contos, romance, desde o final dos anos 60. Em breve, devem
sair os seus Poemas Reunidos.
Para este boletim, pincei dois poemas de Antonio Brasileiro, ambos presentes em
sua Antologia Poética, de 1996. O primeiro é "Estudo 208", um belo texto
no qual o poeta discorre sobre o difícil diálogo com o leitor e a obrigação de
dançar uma Valsa que a todos envolve.
Escrita nos anos 70, essa Valsa parece marcada pelo clima de repressão da época.
O poeta, para se exprimir, sente necessidade de "valseá-la", o que equivale a
destoar do compasso imposto pela música. Mas essa Valsa "sem memória" também
pode ser entendida como algo maior, que está sempre nos afastando, poetas e
leitores, da essência da poesia.
Interessante: Brasileiro publica a data de composição de cada um de seus poemas
— uma ajuda fantástica para os estudiosos. É por isso que pude situar, sem
receio, o "Estudo 208" nos anos 70. O outro poema, "Contemplação da Nuvem", é de
1988. Nele, o poeta mostra um lirismo filosófico, limpo e sem truques.
Um abraço,
Carlos Machado
Veja também sobre Antonio Brasileiro o boletim:
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poesia.net 293 |
A valsa sem memória
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Antonio Brasileiro |
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ESTUDO 208
1.
A perfeição reside nos tumultos, nos
escombros, nas sinopses
de um homem —
perdoai,
amigos, estas diatribes:
a voz não diz o que desejo, é escasso
o raciocínio, não há livros
com os ensinamentos e os conselhos —
perdoai,
amigos, meu linguajar de símbolos
tão velados
2.
:bailarinos inábeis
executando seus primeiros passos
num palco gigantesco (sem
bordas)
sem aplausos —
sós nós e uma valsa
sem memória
a ecoar (a ecoar a ecoar) por toda parte
e não há tempo para temer
e não há tempo para chorar:
a Valsa
não tem perdões, obriga-nos a valseá-la
a Valsa
não sabe nomes, envolve-nos nos braços
a Valsa
ela mesma não se chama Valsa —
perdoai, amigos, falar-vos nesta linguagem
há algo em mim que quer brotar com força:
talvez um
simples poema
talvez
(perdoai) apenas
esta vontade, imensa, de falar.
01/12/1979
CONTEMPLAÇÃO DA NUVEM
Para Luís Alberto
A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem
passando.
E uma nuvem passando
ensina-nos mais coisas que cem pássaros
mil livros um
milhão de homens.
A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem.
Passando.
15/02/1988
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