Número 30

São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2003 

«Toda palavra é crueldade.» (Orides Fontela)
 


William Carlos Williams


Caros,


Um traço marcante na poesia americana do século 20 é a aproximação de temas do cotidiano e, ao mesmo tempo, o abandono do discurso enfático. Resulta uma poesia seca, reduzida ao osso, sem adornos nem efeitos especiais. William Carlos Williams (1883-1963) é um dos pioneiros e dos mais destacados poetas que cultivam essa estratégia.

Aqui vão dois exemplos desse estilo, os poemas "Retrato Proletário" (Proletarian portrait) e "O carrinho de mão vermelho" (The red wheelbarrow), ambos de Williams. O primeiro descreve uma cena de rua. O outro nem chega a ser uma cena: é um pensamento a respeito de um carrinho de mão. Como vocês podem notar, é chocante a falta de ênfase. São como instantâneos fotográficos. E tudo é elevado à condição de matéria para o poema.

Talvez vocês, como muita gente, achem essa secura pouco ou nada atraente. Mas o certo é que — em parte pelo fascínio de retratar o cotidiano moderno, em parte pela força imperial da cultura americana — esse estilo poético influenciou, e influencia até hoje, poetas e poetas e poetas no mundo inteiro.

A versões em português mostradas ao lado foram extraídas do livro Poemas, que tem tradução e estudo crítico do poeta paulista José Paulo Paes (
1926-1998). 


Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado



 

Sem efeitos especiais

William Carlos Williams

 


RETRATO PROLETÁRIO

Mulher jovem corpulenta sem chapéu
de avental

Cabelo puxado para trás parada
na rua

A ponta do pé descalço
tocando a calçada

Sapato na mão. Olhando-
o atentamente

Retira a palmilha de cartão
para achar o prego

Que a estava machucando



PROLETARIAN PORTRAIT

A big young bareheaded woman
in an apron

Her hair slicked back standing
on the street

One stockinged foot toeing
the sidewalk

Her shoe in her hand. Looking
intently into it

She pulls out the paper insole
to find the nail

That has been hurting her



O CARRINHO DE MÃO VERMELHO


tanta coisa depende
de um

carrinho de mão
vermelho

esmaltado de água de
chuva

ao lado das galinhas
brancas


THE RED WHEELBARROW


so much depends
upon

a red wheel
barrow

glazed with rain
water

beside the white
chickens.

 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2003

Poemas extraídos de:
•  William Carlos Williams
    Poemas
    Tradução de José Paulo Paes   
    Companhia das Letras, São Paulo, 1987