Iacyr Anderson Freitas
Caros amigos,
O poeta e ensaísta mineiro Iacyr Anderson Freitas é um nome de
peso na poesia que se faz atualmente no Brasil. E esta não é apenas uma
frase protocolar: com estréia em 1982, o autor já coleciona um acervo de 15
livros publicados, somente de poesia. Prolífico, seu mais recente trabalho, A
Soleira e o Século, surgido no final de 2002, é na verdade a reunião de seis
livros de poesia, escritos durante cerca de dez anos.
Detentor de prêmios literários aqui e no exterior, Iacyr Anderson Freitas tem
textos traduzidos e publicados em vários idiomas. Nascido em 1963, o poeta
representa um caso raro de jovem que se movimenta com desenvoltura tanto em
poemas com feição moderna como em formas tradicionais. Exemplos dessas últimas
são os sonetos que ele apresenta em "Mirante", um dos seis livros contidos em
A Soleira e o Século.
Um aspecto que ressalta no trabalho do poeta é sua exuberante criatividade
com as metáforas. Isso pode ser visto no poema ao lado, "Pequeno Diário da
Palavra", extraído de A Soleira e o Século. Para ele, as palavras têm
claridade, têm sexo e até carecem de pátria.
Outra faceta de Iacyr Anderson aparece naquela ironia triste que combina uma
pitada de mordacidade com fartas doses de melancolia. Um traço certamente
herdado de mineiros mais antigos, especialmente Drummond. Essa ironia está
presente no poema "Confissão", também transcrito ao lado.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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Palavra carece de pátria
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Iacyr Anderson Freitas |
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PEQUENO DIÁRIO DA PALAVRA
Toda palavra tem um oco
uma fenda uma avessa
claridade
de onde as formigas emigram.
Há gravetos, conchas vocabulares,
acentos à paisana, vírgulas úmidas e bivalves.
Um vento antigo
tange as crases desse poema, arrasta
os pontos de exclamação pelos cabelos.
Estende-os para secar
o sol mais triste de seu nome.
O meio-dia a esmo
bate a sua orelha na cancela.
Toda palavra tem sexo e sintaxe,
um amarelo em luta
com as folhas mortas do terreiro.
Alfabeto crivado de dízimos
onde não se pode tagarelar
sem doer um grão de arroz
por sob a língua.
Palavra carece de pátria
lugar de raiz e eleição.
Onde adensa sua espera, duas borboletas
grifam a giz a paisagem.
CONFISSÃO
Sejamos sinceros, meu bem,
dispamos o pijama
das mitologias:
a eternidade não conhece o amor.
O amor também não sabe
verdadeiramente
o que é o amor
e, no fundo, nós nunca acreditamos muito
em parto
sem dor.
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