«A poesia não faz nada acontecer.» (W.H. Auden)
 

Haroldo de Campos

Caros,

A poesia brasileira perdeu, no último fim de semana, uma de suas expressões mais influentes e polêmicas: Haroldo de Campos (1929-2003). Em parceria com seu irmão Augusto de Campos e Décio Pignatari, Haroldo liderou, nos anos 50, o movimento da poesia concreta.

A idéia básica dos poetas concretos era de que as possibilidades expressivas do verso estavam esgotadas e que era preciso injetar na poesia recursos "verbivocovisuais". O poema se tornaria um objeto, que no extremo poderia se confundir com imagens e mesmo prescindir de palavras.

Naturalmente, essas concepções foram alvo de exaltadas discussões, algumas das quais continuam vivas até hoje. Mas, contra ou a favor da poesia concreta e de seus pressupostos teóricos, não há como obscurecer a contribuição e a influência de Haroldo de Campos.

Poeta, ensaísta, tradutor e agitador cultural, ele deixa um legado de peso. Erudito, multilingüe, traduziu de James Joyce a Maiakovski, de Dante à Bíblia, de Homero a Octavio Paz, além de poemas do chinês e do japonês.

Neste boletim, transcrevo três poemas de Haroldo de Campos. “Ex/plicação” e “1984: Ano 1, Era de Orwell” foram extraídos do livro A Educação dos Cinco Sentidos, de 1985. O último texto, sem título, é um trecho de Signantia Quasi Coelum - Signância Quase Céu, de 1979. 

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado



 

EX/PLICAÇÃO


não há um
sentido único
num
poema

quando alguém
começa a ex-
plicá-lo e
chega ao fim
en-
tão só fica o
ex
do ponto de
partida

beco

(tente outra
vez)

sem saída
 

1984: ANO 1, ERA DE ORWELL


enquanto os mortais
aceleram urânio
a borboleta
por um dia imortal
elabora seu vôo ciclâmen
 

v


uma dança
de espadas

esta
escrita
delirante

lâminas cursivas

a lua
entre dois
dragões

com uma haste
de bambu
passar
por entre lianas
sem desenredá-las

 

Haroldo de Campos
•  "Ex/plicação" e "1984: Ano 1, Era de Orwell"
    In A Educação dos Cinco Sentidos
    Editora Brasiliense, São Paulo, 1985
•   "uma dança de espadas"
    In Signantia Quasi Coelum /
        Signância Quase Céu
    Editora Perspectiva, São Paulo, 1979