Andrey Remnev, russo, Siringe
O BECO
No beco escuro e noturno
Vem um gato rente ao muro.
Os passos são de gatuno.
Os olhos são de assassino.
Esgueirando-se, soturno,
Ele me fita no escuro.
Seus passos são de gatuno.
Seus olhos são de assassino.
Afasta-se, taciturno.
Espanta-o meu vulto obscuro.
Meus passos são de gatuno.
Meus olhos são de assassino.
Andrey Remnev, Siesta (2008), detalhe
POEMA DO FALSO AMOR
O falso amor imita o verdadeiro
Com tanta perfeição que a diferença
Existente entre o falso e o verdadeiro
É nula. O falso amor é verdadeiro
E o verdadeiro falso. A diferença
Onde está? Qual dos dois é o verdadeiro?
Se o verdadeiro amor pode ser falso
E o falso ser o verdadeiro amor,
Isto faz crer que todo amor é falso
Ou crer que é verdadeiro todo amor.
Ó verdadeiro Amor, pensam que és falso!
Pensam que és verdadeiro, ó falso Amor!
Andrey Remnev, Navegador (2015)
VOZES ABAFADAS
O ruído vem de longe e quase não se escuta.
Passa no ar ou ruge dentro de nossos ouvidos?
Vem do centro da terra ou do terror das
[ consciências?
São crianças chorando com medo da vida?
Soluços de mães que ignoram as causas?
Gritos alucinados de homens caídos sob as
[ rodas do carro terrível?
São os últimos brados das pátrias esfaceladas,
Os uivos do vento nas bandeiras das nações
[ vencidas,
Ou no ventre do caos os vagidos do
[ mundo futuro?
Cala, poesia,
A dor dos homens não se pode exprimir em
[ nenhuma língua.
Talvez a exprimisse o ai da cabeça separada do
[ corpo que rola ensangüentada,
Talvez a escrevesse a mão hirta que no último
[ gesto de horror largou a espada,
Talvez a dissesse o grito sufocado, o pranto que
[ salta, o suor frio, o olhar esbugalhado...
Ante o ricto dos mortos compreendo que a dor
[ não se exprime
Em língua nenhuma e ainda que os homens
[ falassem todos uma só língua.