Número 37

São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2003 

«Se não há dinheiro na poesia, também não há poesia no dinheiro.» (Robert Graves)
 


Ricardo Rizzo


Ricardo Rizzo, juiz-forano nascido em 1981, é o poeta mais novo que já apareceu nas páginas deste boletim. Estudante de direito, ele combina em seus versos um vigor criativo juvenil com reflexões e segurança técnica de veterano.

Em seu livro de estréia, Cavalo Marinho e Outros Poemas (2002), Rizzo destila metáforas impressionantes. “Sabes que o coração escoa/ seu vinho quieto/ e que o real é um salto/ de lanças no embate” (do poema "Morandi e o Tempo"). Ou, então, “Mas é óbvio que o amor/ a tudo dissolve/ como quem devora um osso de búfalo” (de "Celebração do Poeta Final").

Fiel a uma certa tradição dos poetas mineiros — a de tentar decifrar seu Estado natal —, Rizzo comparece: "Em Minas um desejo/ de eterno assoreamento// vive nos peixes/ dilata as usinas// respira o negro veneno/ evocado e mestiço."  ("Conhecimento de Minas")

Em seu exercício poético, Rizzo dialoga com clássicos, a exemplo de seus conterrâneos Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, além de outros como Jorge de Lima. Para este boletim, pincei o poema "Mencionar o Ferro", no qual se identificam ecos de João Cabral de Melo Neto. Por trás do ferro utilitário, do tenso combate com a palavra crua, o poeta sente a presença da "terrena dor de gente".

Degustemos o poema e demos nossas boas-vindas ao jovem poeta.


Carlos Machado

 

 

A sintaxe do ferro

Ricardo Rizzo

 


MENCIONAR O FERRO


Mencionar o ferro é expô-lo
à dura nudez de palavra

no registro encerrada, sílabas
articulando matéria, antimatéria.

Em que categoria confinar o ferro
todo o ferro que há no mundo,
                                     insuspeito?

Se em uma só palavra, e curta,
traz a geografia de mundos, estrelas?

O ferro do despeito
vaza a sintaxe,
                  fere e desnorteia.

Não é o ferro palatável, o ferro
que a todos resume, paroxítono.

Dizer o ferro é lambê-lo,
comê-lo, fruta escura,

é atividade carnal, antes
tenso combate subterrâneo

que se trava, ou melhor, se turva
entre noite e sombra nos edifícios.

Mas já um sal do ferro convida
a dobrar o ferro utilitário

a romper o ferro posto
vingar-lhe o porte mortuário

mencionar o ferro é mudá-lo
em terrena dor de gente;

é fecundar-lhe o ventre
divergente e proletário.
 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2003

Ricardo Rizzo
•  In
Cavalo Marinho e Outros Poemas
    Nankin (São Paulo)/Funalfa (Juiz de Fora),
    2002