Amigas e amigos,
O autor em foco nesta edição é o poeta, romancista e cronista baiano Ruy Espinheira Filho (Salvador, 1942), que já esteve nesta
página em várias outras ocasiões. Desta vez, ele vem trazido pelo livro Sonetos Reunidos & Inéditos [1975-2020] (Patuá, 2020).
Destacado praticante do soneto, Espinheira sempre inclui poemas desse formato em suas coletâneas poéticas. Nesta reunião, estão compilados
103 poemas já publicados em livros anteriores, mais 11 inéditos. Com essa extensa coleção de sonetos, o poeta inclui-se, sem favor,
entre os mais destacados cultores desse artefato poético na atualidade.
Preocupado em oferecer ao leitor pistas precisas sobre a composição dos poemas, Espinheira informa claramente de qual livro foi extraído
cada soneto e ainda o período temporal em que cada bloco de poemas foi escrito.
Para esta edição, selecionei meia dúzia dos sonetos reunidos de Ruy Espinheira Filho. Tive também o cuidado de não escolher textos já
publicados aqui em edições anteriores do boletim. Vamos a eles.
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“Soneto da permanência”, do livro Morte Secreta e Poesia Anterior (1975/1984), é um poema de saudades da adolescência. Um texto que se
coloca entre os muitos que já valeram ao autor o título de “poeta da memória”. Do ponto de vista formal, este soneto, vazado em decassílabos,
abre mão das rimas sem nada perder em sua força lírica. Afinal de contas, não é todo dia que a gente tem a oportunidade de encontrar por aí
uma expressão como “um vento encrespado de remorsos”.
No poema seguinte, “Soneto da luz de maio”, o poeta evoca o célebre soneto quinhentista de Sá de Miranda (“O sol é grande”) e extasia-se com a
luminosidade do dia: “desce a luz como um riso, uma alegria/ e vem ecoar nas pedras da varanda”.
“Soneto do sono” é um exemplo de poema que, nas rimas, foge ao padrão convencional. Aqui, os quartetos são rimados no esquema abba cbbc, com
repetição das palavras rimantes nos versos b. Diferentemente, os tercetos não incluem rimas.
O “Soneto do sino e do tempo” também deixa de lado o padrão rímico. Nos quartetos, não há rima. Nos tercetos (nos versos 2, 4 e 6), sim: “meninos”,
“destinos” e “sino”. Agora, proponho ao leitor um exercício: leia em voz alta este soneto, que começa com esta preciosidade: “Ouvir um sino é como
abrir o tempo”. E que tempo é esse? “O tempo nítido de uma cidade/ ornada de andorinhas e silêncio”. Se o poeta parasse aí, o poema já estaria
pronto. Não o soneto, decerto, mas um textinho carregado de lirismo e encantamento. Prossiga, e há ainda muito mais até o décimo quarto verso.
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No doído “Soneto das mesas”, o sujeito lírico convoca irmãos, pai, mãe e amigos, todos já mortos, para uma reunião (almoço? jantar?) em torno de uma mesa.
A intenção é reviver as alegrias.
No poema seguinte — o último de nossa miniantologia —, “Soneto do amigo morto”, o clima é similar. Desta vez, porém, é o amigo quem faz as honras da casa, serve o vinho e mostra toda a sua
alegria. Mais uma vez, o esquema de rimas é engenhoso: todos os 14 versos rimam, mas existem apenas duas palavras rimantes: “morto”, o amigo, e “Porto”, o vinho. Emocionante.
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Ruy Espinheira Filho nasceu em Salvador (1942-), mas passou boa parte da infância e da adolescência em cidades do interior da Bahia. É professor
aposentado da UFBA, onde atuou nas áreas de comunicação e letras. Estreou em 1973 com o livro Poemas, publicado em parceria com outro destacado poeta
baiano, Antonio Brasileiro. De lá para cá, já lançou dezenas de títulos,
entre poesia, ficção em prosa, crônicas e textos para crianças.
Entre as reuniões e antologias de sua poesia destacam-se Poesia Reunida e Inéditos
(Record, 2ª ed., 1998); Melhores Poemas (Global, 2011); Estação Infinita e Outras Estações (Bertrand Brasil, 2012); e Nova Antologia Poética
(Patuá, 2018); e Sonetos Reunidos & Inéditos (Patuá, 2020). O poeta Ruy Espinheira Filho já esteve aqui no poesia.net em outras edições:
número 429 (2019);
número 378 (2017);
número 284 (2012);
e número 18 (2003).
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MAIS SOBRE O SONETO
Estima-se que o soneto foi criado na Sicília, no início do século XIII, como uma espécie de letra escrita para música. O artefato poético evoluiu, e o frade
toscano Guittone d’Arezzo (c.1235-1294) tornou-se o primeiro a adotar o formato que afinal foi praticado por nomes ultraconhecidos como Francesco Petrarca
(1304-1374) e Dante Alighieri (1265-1321). Petrarca destacou-se como aperfeiçoador da estrutura do soneto e também como seu divulgador por toda a Europa.
Somente ele escreveu 317 sonetos.
Em linhas gerais, o soneto clássico consiste num poema de 14 versos, dividido em quatro estrofes, dois quartetos e dois tercetos. Os esquemas de métrica e
rima variam com o tempo e a criatividade dos poetas. O decassílabo é, com certeza, o metro mais usado na confecção de sonetos, embora autores como
Cassiano Ricardo tenham escrito sonetos com versos de uma única sílaba. Há também os sonetos sem rima, o soneto inglês (três quadras mais um dístico) e
até os sonetos bárbaros (sem métrica e sem rima, obedecendo apenas à regra dos 14 versos).
Em língua portuguesa, o soneto conquistou brilho especial na pena do poeta-maior Luís Vaz de Camões (1524-1579), autor de clássicos que já resistem há
quase 500 anos. No Brasil, o artefato italiano tem sido cultivado por muitos poetas, com destaque para o parnasiano Olavo Bilac, o simbolista Alphonsus de
Guimaraens, chegando até os modernistas Alphonsus de Guimaraens Filho, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mario Quintana e muitos outros.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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