Número 499 - Ano 20

Salvador, quarta-feira, 16 de novembro de 2022

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«Pode rimar/ amor e dor,/ pois dor e amor/ dão belo par. // Mas quem for dar,/ em vez de amor,/ somente dor,/ não deve amar.» (Marcelo Sandmann) *

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Poetas desta edição - 20 anos-03
Ana Cecília de Sousa Bastos; Ieda Estergilda de Abreu; Jayro José Xavier // Luíza Mendes Furia; Fabrício Oliveira; Luiz Roberto Guedes; // Ana Santos; Iara Maria Carvalho; Álvaro Alves de Faria



Amigas e amigos,

Esta edição é a terceira das comemorações dos 20 anos de circulação do boletim poesia.​net, que serão completados em 12 de dezembro. Conforme expus nos dois boletins anteriores, convidei os poetas ativos e acessíveis que já apareceram no boletim para participarem destas comemorações.

Pedi a cada um que cedesse um poema inédito. No fim do prazo, 45 poetas (um número bastante auspicioso) decidiram participar. Então, planejei cinco boletins, cada um com nove poetas. Isso facilitaria tudo, inclusive a montagem de cada grupo na foto, como esta ao lado. Assim, seus poemas começaram a ser mostrados nas duas edições anteriores. Contudo, dois poetas, por equívoco meu, ficaram de fora. Dei um “jeitinho” de incluí-los nos dois próximos boletins. Desse modo, o total de participantes sobe para 47.

Mais uma vez, sinto-me na obrigação de agradecer a todas as poetas e todos os poetas que prestigiaram esta publicação, cedendo graciosamente seus poemas inéditos.

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Nas cinco edições comemorativas, o nome de cada poeta é mostrado acima do poema, com a indicação da cidade onde vive. Além disso, mais abaixo nesta coluna, dou o link para o último boletim individual em que a/o poeta figurou. Lá, o leitor encontrará informações biobibliográficas, além de outros poemas do/a autor/a.


POETAS DESTA EDIÇÃO

• Ana Cecília de Sousa Bastos
poesia.net n. 478

• Ieda Estergilda de Abreu
poesia.net n. 23

• Jayro José Xavier
poesia.net n. 379

• Luíza Mendes Furia
poesia.net n. 370

• Fabrício Oliveira
poesia.net n. 496

• Luiz Roberto Guedes
poesia.net n. 125

• Ana Santos
poesia.net n. 439

• Iara Maria Carvalho
poesia.net n. 461

• Álvaro Alves de Faria
poesia.net n. 223


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O TÍTULO

Nesta edição, assim como nas duas anteriores e nas duas próximas, o título do boletim foi extraído de um dos poemas. Aqui, a expressão “O trabalho dos vivos” foi tomada por empréstimo do poema homônimo, da gaúcha Ana Santos.


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ALGUNS NÚMEROS

A página poesia.​net no Facebook reúne hoje 15,4 mil seguidores. Conta diariamente com pelo menos uma publicação. Às quartas-feiras, exibe o link para uma edição do boletim, no site Alguma Poesia. Numa quarta-feira, o novo boletim; na outra, uma edição antiga. O leitorado da página é majoritariamente feminino: 66,9%.

No Facebbook, os leitores concentram-se em algumas localidades. São Paulo, a maior cidade do país, tem 12,6%; Rio de Janeiro, 6,7%; Salvador, 4,7%; Belo Horizonte, 3,1%; e Fortaleza (1,5%). As demais cidades têm percentuais abaixo de 1,5%.

Naturalmente, a imensa maioria dos leitores, 89,3%, reside no Brasil. Mas há um considerável percentual (5,1%) em Portugal. Registram-se leitores também em Angola (0,8%); Estados Unidos (0,6%); Itália (0,6%); Argentina, Espanha, Moçambique e México (todos com 0,3%); e França (0,2%).

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COMO ASSINAR O BOLETIM

Se você ainda usa o e-mail, é fácil assinar o poesia.​net. Basta ir ao site Alguma Poesia e lá clicar no botão “poesia.​net”. Preencha o formulário com seu e-mail, nome etc. O boletim seguirá gratuitamente para você.

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CURIOSIDADES

Foi uma surpresa para mim consultar, agora, a visitação do site Alguma Poesia. As três páginas mais visitadas nos últimos 12 meses foram: 1. poesia.net n. 194, com o poema "Caso do Vestido", de Carlos Drummond de Andrade; 2. poesia.net n. 3, que discute sobre "As Flores do Mal", do francês Charles Baudelaire (1821-1867). O terceiro boletim mais lido no período também se refere a um estrangeiro das antigas: o italiano Dante Alighieri (1265-1321), no poesia.net n. 192.

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OS QUE SE FORAM

Nestes 20 anos de divulgação poética, passaram pelas páginas do boletim poetas que, infelizmente, não estão mais conosco. Alguns eram bem próximos, a exemplo do mineiro Donizete Galvão (1955-2014) e da paulistana Renata Pallottini (1931-2021). Outros eram apenas contatos poéticos.

Há também as figuras naturalmente distantes, nelas incluídos os estrangeiros, como a Nobel polonesa Wislawa Szymborska (1923-2012) e o chileno Nicanor Parra (1914-2018). A todas e todos nossa saudade e nosso agradecimento pela poesia.

A seguir, a lista dos que se foram após terem sido publicados uma ou mais vezes no poesia.​net.

Haroldo de Campos (1929-2003)

Hilda Hilst (1930-2004)

Alberto da Cunha Melo (1942-2007)

H. Dobal (1927-2008)

Mário Chamie (1933-2011)

Amélia Pais (1943-2012)

Nauro Machado (1935-2015)

Ilka Brunhilde Laurito (1925-2012)

Décio Pignatari (1927-2012)

Wislawa Szymborska (1923-2012)

Francisco Carvalho (1927-2013)

Donizete Galvão (1955-2014)

Maria Lúcia Martins (1936-2016)

Ferreira Gullar (1930-2016)

Myriam Fraga (1937-2016)

Eunice Arruda (1939-2017)

Ronaldo Monte (1947-2018)

Nicanor Parra (1914-2018)

Helena Ortiz (1947-2019)

Libério Neves (1934-2019)

Renata Pallottini (1931-2021)

Neide Archanjo (1940-2022)

Quinita Ribeiro Sampaio (1926-2022)


Um abraço, e até a próxima,

Carlos Machado


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O trabalho dos vivos


• Ana Cecília de Sousa Bastos
• Ieda Estergilda de Abreu  • Jayro José Xavier
• Luíza Mendes Furia  • Fabrício Oliveira
 • Luiz Roberto Guedes
• Ana Santos  • Iara Maria Carvalho
• Álvaro Alves de Faria


                poesia.net - 20 anos [3]

              



Poetas - poesia.net 20 anos-01
Poetas desta edição: Ana Cecília de Sousa Bastos; Ieda Estergilda de Abreu; Jayro José Xavier // Luíza Mendes Furia; Fabrício Oliveira; Luiz Roberto Guedes // Ana Santos; Iara Maria Carvalho; Álvaro Alves de Faria




Ana Cecília de Sousa Bastos  • Ana Cecília de Sousa Bastos
Salvador, BA

MAR E RIO

O rio,
suas águas escuras.
O mar,
verdeazul cristalino.
Rio é traiçoeiro.
Mar é soberano.
Não podemos, nós, dominá-lo,
sequer compreendê-lo.
somente o contemplamos.
Mas é ele que nos vê,
passantes indefinidos,
por vezes navegantes.



Ieda Estergilda de Abreu  • Ieda Estergilda de Abreu
São Paulo, SP

LOCAIS DE ADMIRAÇÃO

      Para Gerardo Barbosa

Há um céu se movendo sutil
alguém que observa
uma energia que a tudo circunda.
Um canto de pedras, um mar sem tamanho
coqueiros postes furando a areia
palmas brincam de roçar as nuvens.

Querem acabar com as praias, moldar o mar
da cidade dos ventos, dos cocos, dos cajus
sol sem cansaço, mar morno, riso fácil
intenso ar, brisa que ameniza.
Cidade que se espraia por todos os lados
origem Forte, Fortaleza.


Anita Malfatti - Figura feminina
Anita Malfatti, pintora paulista, Figura feminina




Jayro José Xavier  • Jayro José Xavier
Niterói, RJ

LAMPEJO

Iluministas conjurados
juramos Deus
de morte. Em vão.
Ele se infiltra
em uma luz
mais fina

     Ó Poesia
em teu ofício
toda a Ciência
não vale um fósforo.
Mas vem a noite
imensa

e me iluminas



Luíza Mendes Furia  • Luíza Mendes Furia
São Paulo, SP

BEIJO

Tua boca há de ter
a textura
das frutas primeiras

pêssego maduro
suculenta nêspera
ainda tépida
dos sumos da terra.

Bagos maduros
atiçando a minha sede
por doçuras

Ah, pudesse a minha boca
saborear a tua
numa carícia lenta
lamber a casca rósea
e fresca,
depois a polpa úmida,
fremente.

E então, embaixo,
adentro,
beijar a amêndoa
macia
como o coração das ameixas.

Fazer estremecer
a essência da semente.



Anita Malfatti - Fernanda de Castro-1922
Anita Malfatti, Fernanda de Castro (1922)




Fabrício Oliveira  • Fabrício Oliveira
Santo Estêvão, BA

INFÂNCIA

Nesta metrópole de ossos solitários,
há mãos terríveis que espantam os pássaros.
Revólveres trafegam embaixo dos tetos,
crianças choram no sofá da sala.
O tique-taque do relógio rompe a porta
do tempo: duas borboletas se arrebentam
na geografia da criança morta
com marcas de facas e dentes no pescoço.
Toda criança é uma hóspede do medo:
do tique-taque, do furor da fera.
Eu sou o infante que não se desespera
nesta metrópole de ossos solitários.



Luiz Roberto Guedes  • Luiz Roberto Guedes
São Paulo, SP

MOTETE

um dia diz que te adora
outra hora te menoscaba
   sempre acaba

reconta lances romances
de um ex-amante se gaba
   sempre acaba

quem meu anjo te chamava
ora te fere — diaba
   sempre acaba

e amor que te embalava
palácio de plumas
    desaba
   sempre acaba



Rubens Gerchman - O homem amarelo
Anital Malfatti, O homem amarelo - 1ª versão (1915)




Ana Santos  • Ana Santos
Porto Alegre, RS

O TRABALHO DOS VIVOS

Aos poucos, conjugamos
os verbos no passado
e saímos ao sol no dia dos mortos
sem qualquer pudor.

Os mortos acenam de um portão
enquanto partimos (somos nós
que partimos) —
menos nítidos, mais distantes
cada vez que olhamos
para trás.

Os mortos sofrem, pedem:
“não nos esqueçam”.
E seguem acenando do portão
de sua casa, anos a fio,
dentro da mesma noite.
Têm olhos graves,
mas amoráveis.

Voltar à casa dos mortos
de quando em quando,
acender a luz do alpendre
para que não sintam medo:
eis o trabalho dos vivos.



Iara Maria Carvalho  • Iara Maria Carvalho
Currais Novos, RN

[AS CAMADAS DE PELE]

As camadas de pele
que deixei pra trás
nenhum pássaro
comeu.

Talvez por isso
a mulher que sou
ainda tem cheiro
de passado.

O veneno vivo
das lembranças
bate à porta do estômago
todas as manhãs,

e eu recuso
o copo de leite
e qualquer perdão
de saia justa.



Álvaro Álves de Faria  • Álvaro Álves de Faria
São Paulo, SP

BARALHO

Jogo minha sorte e minha vida,
mas eles têm as cartas melhores.

Tenho somente o 2 de paus
       o 2 de ouro
       o 2 de copas
       o 2 de espadas.

Eles têm os ás,
além dos reis, dama e valete.

Jogo o que me resta jogar
com uma luz acesa
em cima da minha cabeça.

Com as cartas que tenho
não me resta qualquer chance.

Eles então me olham
com o jogo decidido,
dizem palavras que não ouço
e pedem que me encoste à parede.

O primeiro soco
é na boca do estômago.

Minhas cartas caem na mesa,
abertas como uma manhã de setembro.

Então eles rasgam
o que me restou do jogo
e me dão o tiro de misericórdia.




poesia.​net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2022



poesia.​net - 20 anos - Poetas participantes desta edição:

Ana Cecília de Sousa Bastos  Ieda Estergilda de Abreu  Jayro José Xavier
Luíza Mendes Furia  Fabrício Oliveira  Henrique Augusto Chaudon
Luiz Roberto Guedes   Ana Santos   Iara Maria Carvalho  
Álvaro Alves de Faria

Poemas inéditos, cedidos pelos autores para a comemoração dos 20 anos do boletim.
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* Marcelo Sandmann, "Mora na Filosofia", in A Fio (2014)
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* Quadros de Anita Malfatti (1889-1964), pintora modernista paulista