Número 501 - Ano 21

Salvador, quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

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«Fora do ritmo, só há danação / fora da poesia não há salvação.» (Mario Quintana) *

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Poetas desta edição - 20 anos-05
Vera Lúcia de Oliveira; Raiça Bomfim; Rosana Chrispim // Silvia Chueire; Aleilton Fonseca; Patrícia Claudine Hoffmann // Paulo Ferraz; Marize Castro; Alexandre Bonafim; Alexandre Marino



Amigas e amigos,

Nesta segunda-feira, 12 de dezembro de 2022, este boletim completa 20 rotações em torno do Sol. Sei muito bem que 20 anos são um período bastante longo, e mais ainda nesta área da cultura, onde as iniciativas tendem, quase sempre, a ter duração meteórica. Portanto, não é possível passar ao largo desta efeméride.

É tempo de aniversário, mas nem tudo são comemorações. A pandemia volta a recrudescer, exigindo atenção e cuidado. Mesmo assim, agora respiramos mais aliviados, pois um vírus ainda mais assustador — aquele que é contra a arte, nega a ciência e destrói a democracia — foi temporariamente afastado em 30 de outubro.

Esperamos que agora se abra mais espaço para a arte, para a cultura, para o florescimento da sociedade brasileira. Um viva aos 20 anos do poesia.​net. Outros vivas, bem fortes, à cultura, à ciência, à arte e, especialmente, à poesia.

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A respeito da edição anterior, n. 500, recebi muitos e-mails com rasgados elogios a "Ana Lis", o poema que virou canção com indireto apadrinhamento do poesia.​net. Contudo, outros cinco leitores disseram não ter encontrado o poema de Marcílio Godoi e o videoclipe do compositor Sonekka (Osmar Lazarini). É compreensível, pelo fato de o boletim, especial, ser muito longo e a dobradinha poema-vídeo ter sido posta no final da página. Para corrigir isso, republico os dois bem ao lado, desta vez antes dos poemas inéditos. É bom abrir os trabalhos com música, ainda mais em aniversários.

Para quem não pegou o fio desta história: em maio/2022, o boletim n. 486 apresentou o livro Estados Úmidos da Matéria (Patuá, 2016), do poeta e romancista mineiro Marcílio Godoi. Ao comentar o poema “Ana Lis”, sugeri que era um texto muito musical e estava pedindo que alguém pusesse nele uma melodia.

Sonekka e Marcílio
Sonekka e Godoi: parceiros

O cantor e compositor paulista Sonekka topou a sugestão e, no final de outubro, me mandou um arquivo MP3 com “Ana Lis” em formato musical. Enviei o MP3 ao poeta, que adorou a canção. Para finalizar, Sonekka, além de cantar e tocar os instrumentos, montou um caprichado videoclipe e o dedicou aos 20 anos do poesia.​net. Agradeço aos dois autores, em nome do boletim e também em nome dos leitores.

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Este boletim, n. 501, corresponde à quinta e última edição especial com poemas inéditos de mais 10 poetas que se juntam na comemoração dos 20 anos do poesia.​net. Esta é também a derradeira edição do ano de conteúdo poético. Vem a seguir apenas mais um número com a retrospectiva do ano. Depois, como já é tradicional, o boletim entra em recesso até fevereiro.

Agradeço, mais uma vez, a todas as poetas e todos os poetas que prestigiaram esta publicação, cedendo graciosamente seus poemas inéditos.

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Nas cinco edições comemorativas, o nome de cada poeta é mostrado acima do poema, com a indicação da cidade onde vive. Além disso, mais abaixo, dou o link para o último boletim individual em que a/o poeta figurou. Lá, o leitor encontrará informações biobibliográficas, além de outros poemas do/a autor/a.


POETAS DESTA EDIÇÃO

• Vera Lúcia de Oliveira
poesia.net n. 418

• Raiça Bomfim
poesia.net n. 226

• Rosana Chrispim
poesia.net n. 386

• Silvia Chueire
poesia.net n. 181

• Aleilton Fonseca
poesia.net n. 467

• Patrícia Claudine Hoffmann
poesia.net n. 384

• Paulo Ferraz
poesia.net n. 227

• Marize Castro
poesia.net n. 391

• Alexandre Bonafim
poesia.net n. 445

• Alexandre Marino
poesia.net n. 201


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O TÍTULO

Nesta edição, assim como nas quatro últimas, o título do boletim foi extraído de um dos poemas. A expressão “pela fresta das janelas” veio do poema “Eu olhava e não sabia”, da poeta e atriz baiana Raiça Bomfim.

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POESIA.​NET NO INSTAGRAM

Na edição passada, falei sobre meu pé-atrás em relação às redes sociais. Mesmo assim, mais uma vez dou um passo à frente nesse terreno. Estimulado pelos 20 anos do poesia.​net, acabo de criar uma página no Instagram: cmachado.poesia. Ainda não conheço as manhas dessa rede. Essencialmente, estou usando a facilidade de poder postar, de uma só vez, no Facebook e no Instagram.

De saída, já descobri um detalhe desfavorável para este boletim. O Instagram não aceita links em suas publicações. Em outras palavras, não posso incluir lá uma imagem na qual o leitor clique e seja levado para ler uma nova edição do boletim no site Alguma Poesia. De todo modo, esta é uma novidade de aniversário: o poesia.​net está no Instagram.

Se você usa o Instagram, dê uma passada lá, faça comentários e siga esse novo espaço de divulgação poética.

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RUY ESPINHEIRA FILHO, 80

Sonekka
Neste 12 de dezembro, quando o poesia.​net completa 20 anos em circulação, o professor, poeta, cronista e romancista Ruy Espinheira Filho (Salvador-BA, 1942) comemora seus 80 anos. O boletim não poderia deixar de saudar esse ilustre parceiro de aniversário, um dos nomes de maior destaque da poesia baiana. Parabéns ao poeta, com votos de saúde, vida longa — e mais poesia.


Um abraço, e até a próxima,

Carlos Machado


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poesia.​net, 20 anos

Visite o painel com todos os poetas publicados nos 20 anos do boletim. Clique no selo abaixo.


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Pela fresta das janelas


• Vera Lúcia de Oliveira   • Raiça Bomfim
• Rosana Chrispim  • Silvia Chueire
• Aleilton Fonseca  • Patrícia Claudine Hoffmann
• Paulo Ferraz  • Marize Castro
• Alexandre Bonafim  • Alexandre Marino


                poesia.net - 20 anos [5]

              



Poetas - poesia.net 20 anos-01
Poetas desta edição: Vera Lúcia de Oliveira; Raiça Bomfim; Rosana Chrispim // Silvia Chueire; Aleilton Fonseca; Patrícia Claudine Hoffmann // Paulo Ferraz; Marize Castro; Alexandre Bonafim; Alexandre Marino



••• ————— Ana Lis, a canção ————— •••




Sonekka, “Ana Lis” (Sonekka / Marcílio Godoi)


ANA LIS

ana lis, me diz.
o que foi feito da gente
quando a gente era feliz?
e não pensava no tempo
do relógio da matriz?

ana lis, me diz.
aonde foram dar nossos sonhos
de desenho feito a giz?
ficou alguma ferida
resistindo à cicatriz?

ana lis, me diz,
ainda existe no mundo
o direito a pedir bis
das coisas que não valeram
quando eu era inda aprendiz?

ana lis, me diz,
nunca tive sossego
por ter feito o que eu não fiz
por onde levo a esperança,
por acaso ou por um triz?

ana lis, responde, please.

   Marcílio Godoi, in Estados Úmidos da Matéria (Patuá, 2016)

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Vera Lúcia de Oliveira  • Vera Lúcia de Oliveira
Perugia, Itália

[UM CORPO NÃO TOMBA COMO UM PÁSSARO]

um corpo não tomba como um pássaro
não tomba como tronco de árvore cortada
nem como um viaduto por sobre a estrada

começa a fabricar o tombo nos olhos
que pressentem os cursos dos rios
ao contrário, artérias que vão parando
de puxar os sons vagos que pairam
de pássaros que migram em silêncio
e esse cão que parou para auscultar
o prédio desabar inteiro
sobre si mesmo



Raiça Bomfim  • Raiça Bomfim
Salvador, BA

EU OLHAVA E NÃO SABIA

desde o dia em que
o homem virou fera
a gente nunca mais
descansou

virou fera aquele homem
e se feriu se confundiu
se lastimou

as mulheres que algum dia
o haviam carinhado
se juntaram na vigília
se abraçaram

reforçaram a tranca das portas
recolheram no colo as crianças
esconderam as fotografias

pela fresta das janelas
eu cheguei a olhar e via
a fera atacando
em si mesma
o homem

que corria pelas ruas
implorando e estrondeando
por um pouco de consolo
e compaixão

e toda mão que se estendia
a fera decepava
a fera que o homem era
que se tornara

e eu olhava
e não sabia
se um dia amei o homem
se um dia amei a fera
se o sangue que escorria
de meu peito
era ela



Carybé - Lavadeiras-1994
Carybé, pintor argentino-baiano, Lavadeiras (1994)




Rosana Chrispim  • Rosana Chrispim
Santo André, SP

DEVASTAÇÃO

paisagens e peito
calcinados
    um pelo fogo
    outro pela falta
à espera
    que não espera nada
de uma chuva
para rebrotar



Silvia Chueire  • Silvia Chueire
Rio de Janeiro, RJ

POEMA AOS 70 ANOS

Escrevi desde uma tenda no deserto
— o sol a quase cegar-me —
Desde o mar muito azul do verão
e ondas melancólicas no inverno,
escrevi.

De todas as cidades te escrevi
— escrevi-me.
Inscrevi a minha vida nas palavras,
corpo e afetos,
maravilha e caos,
mergulhos e pedidos de socorro,
olhos marejados e esplendor do amor.

Principalmente inscrevi-me
no meu tempo,
a viver intensamente.

01/07/2022



Carybé - Bate-papo-1986
Carybé, Bate-papo (1986)




Aleilton Fonseca  • Aleilton Fonseca
Salvador, BA

AMARO MAR

Amaro mar, tu ainda esperas
a nau a ferir as tuas águas,
a purgar, dos séculos e eras,
as ondas de dores e mágoas?

És a estrada que nos separa
e nos reúne em sonho antigo,
na viagem da frota avara,
em trilha de busca e perigo.

Tocamos teu corpo de perto,
do alto te lançamos o olhar,
nas rotas do vasto deserto
que nos destinaste singrar.

Somos náufragos da história
à deriva, tempo e lugar,
no teu fundo jaz nossa glória.
Ah, mar: não soubemos te amar.



Patrícia Claudine Hoffmann  • Patrícia Claudine Hoffmann
Joinville, SC

RADAR DE UM PEQUENO NINHO

É planeta ainda,
mas com elevados inéditos de agora,
e algumas desistências em códigos,
para outros estados prévios de voo.

O murmúrio dos estorninhos
mostra o caminho,
ativa no ar o avatar das açucenas,
oitavas acima dos emblemas.

Já é cristalina a plataforma das essências
que leva à próxima estação
de ensino,
com destino ao que ressoa.



Carybé - Baianas
Carybé, Baianas (1970)




Paulo Ferraz  • Paulo Ferraz
São Paulo, SP

AISLAMIENTO: 2020

vigésimo primeiro dia, 5h23

(...) foi adaptada para melhor
arejar o fermento. também
plantamos na sacada uma
pequena horta; a terra para
as plantas não vai além do
que cabe em um vaso preto.
estão crescendo com a ajuda
da água que pomos todos
os dias e da luz do sol que
passa pelos prédios. vivem
sempre a um passo da
morte, mesmo que a tela
da sacada as proteja
de pássaros e outras pragas.
só esperamos que resistam
até servirem para enriquecer
nosso jantar. No restante do dia (...)



Marize Castro  • Marize Castro
Natal, RN

SOBERANA

Diante de obeliscos marinos, soberana, a dor consente,
o mistério se resguarda.
Na gravidade do mar, meus peitos endurecem.
Há um fascínio em ser mulher:
rachar-se, encontrar o múltiplo gozo, a longínqua explosão,
desafiar o destino e seus arcos
— os mesmos arcos que adornam as noites
sob o fervor dos amputados.

É a florescência que nos draga?
É o inexorável que nos engole?
É o inefável que nos engana?

Carrego-me, salvo-me por um átimo.
Empurro-me para a vida.

Sibilo.

No meio da barbárie binária, sanguinolenta,
retorno à plenitude.
Entre marinhas deusas, habitada por silenciosos combates,
escolho a profundeza que me cabe.


Carybé - O galista
Carybé, Capoeira




Alexandre Bonafim  • Alexandre Bonafim
Goiânia, GO

DESPEDIDA

Nunca houve
despedida mais funda
mais violenta
que a tua

Era como perder o pai
a mãe
os irmãos
os filhos
os amigos todos
de uma só vez



Alexandre Marino  • Alexandre Marino
Brasília, DF

TREMORES

São tremores de terra ou é meu coração?
Treme a terra, tremula a nave,
crepitam as chamas e o roteiro que arde.
Loucos e ratos abandonam o comando
e escrevo a história com traços inseguros.
A nave trepida em zona de turbulências
viajando em círculos no escuro
sobre a indolência das cinzas.

Tantos milhões confinados
entre o martírio e a mácula,
a dor delicada e seu âmago exposto.
Tremem as ruas, pontes,
jardins ressecados,
enquanto rasteja a avalanche
em duelo com meu último sopro.

O obscuro sinal
enviado por um deus morto
a essa multidão sem rosto
que somos nós:
sem nome, sem abrigo,
sem futuro,
sós.




poesia.​net
www.algumapoesia.com.br
facebook.com/avepoesia
instagram.com/cmachado.poesia
Carlos Machado, 2022



poesia.​net - 20 anos - Poetas participantes desta edição:

• Vera Lúcia de Oliveira  • Raiça Bomfim  • Rosana Chrispim
• Silvia Chueire  • Aleilton Fonseca  • Patrícia Claudine Hoffmann
• Paulo Ferraz  • Marize Castro  • Alexandre Bonafim  • Alexandre Marino

Poemas inéditos, cedidos pelos autores para a comemoração dos 20 anos do boletim.
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* Mario Quintana, "Aula Inaugural", in Apontamentos de História Sobrenatural (1976)
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* Imagens: quadros de Carybé, apelido de Hector Julio Páride Bernabó (1911-1997), pintor argentino naturalizado brasileiro, que viveu a maior parte da vida na Bahia