Número 10

Sexta-feira, 27 de setembro de 2002 

"O meu amor faísca na medula" (C.D.A.)

  Drummond traduz Beatles

Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002

 

Senhoras e senhores, esta é uma edição muito especial do boletim. O maior poeta brasileiro encontra-se com os mais criativos músicos populares do mundo. E parte do resultado desse encontro está aqui.

Em março de 1969, a extinta revista Realidade publicou excertos de uma biografia dos Beatles, então no auge da fama, produzida pelo escritor Hunter Davies.

Para ilustrar o trabalho dos moços de Liverpool, a revista pediu a Drummond que traduzisse algumas letras das canções de seu mais recente disco, The Beatles  —  o apelidado Álbum Branco, de 1968.

Aqui estão três dessas traduções, devidamente confrontadas com os originais. Destaque para o humor de George Harrison em "Piggies" ("Porcos").

Senhoras e senhores, com vocês... The Beatles e Carlos Drummond de Andrade!

                         •

P.S.: Um abraço à colega jornalista Marta Alves, por ter ajudado a desencavar as traduções na Realidade do longínquo março de 1969. Um trabalho quase arqueológico.

 

MAIS DRUMMOND E BEATLES

Veja outras letras do Álbum Branco dos Beatles traduzidas por Drummond: Drummond traduz Beatles (II).

 

 

 

 


OB-LA-DI, OB-LA-DA

            (John Lennon - Paul McCartney)

Desmond has a barrow in the market place
Molly is the singer in a band
Desmond says to Molly
girl I like your face
And Molly says this as she takes him by the hand

Ob-la-di ob-la-da life goes on bra
La-la how the life goes on
Ob-la-di ob-la-da life goes on bra
Lala how the life goes on

Desmond takes a trolley to the jewellers store
Buys a twenty carat golden ring
Takes it back to Molly waiting at the door
And as he gives it to her she begins to sing

In a couple of years they have built
A home sweet home
With a couple of kids running in the yard
Of Desmond and Molly Jones

Happy ever after in the market place
Desmond lets the children lend a hand
Molly stays at home and does her pretty face
And in the evening she still sings it with the band

Happy ever after in the market place
Molly lets the children lend a hand
Desmond stays at home and does his pretty face
And in the evening she still sings it with the band

And if you want some fun
Take Obladi oblada.
 

OBLADI, OBLADÁ
         
(tradução: Carlos Drummond de Andrade)

Desmond tem um carrinho na Praça do Mercado.
Molly vocaliza num conjunto.
Desmond diz a Molly: Por teu rosto sou vidrado
Molly diz-lhe: O quê? e pega-lhe na mão.

Obladi, obladá, a vida continua: olá,
olalá, como a vida continua!
Obladi, obladá, a vida continua... Olá,
olalá, como a vida continua!

Desmond toma o ônibus, vai à joalheria
compra anel de ouro de ofuscar
e leva-o a Molly, que espera junto à porta.
De anel no dedo, eis Molly a cantar.

Em um par de anos terão construído
um lar bacana doce que nem cana.
Um par de garotos corre pelo pátio
desse casal unido.

Olha Desmond feliz na Praça do Mercado.
Ao lado, os molequinhos ajudando.
Molly ficou em casa se enfeitando
e à noite ainda canta no conjunto.

Olha Molly feliz na Praça do Mercado.
Ao lado, os molequinhos ajudando.
Desmond ficou em casa se enfeitando
e à noite ela ainda canta no conjunto.

E se querem se divertir, obladi, obladá!


PIGGIES
          (George Harrison)

Have you seen the little piggies
Crawling in the dirt
And for all the little piggies
Life is getting worse
Always having dirt to play around in

Have you seen the bigger piggies
In their starched white shirts?
You will find the bigger piggies
Stirring up the dirt
Always have clean shirts to play around in

In their styes with all their backing
They don't care what goes on around
In their eyes there's something lacking
What they need's a damn good whacking

Everywhere there's lots of piggies
Living piggy lives
You can see them out for dinner
With their piggy wives
Clutching forks and knives to eat their bacon
 

PORCOS
          (tradução: Carlos Drummond de Andrade)

Viste os porquinhos
rebolando na imundície?
Para todos os porquinhos
a vida está cada vez mais difícil
e brincam sempre na sujeira por aí.

Viste os mais taludos porquinhos
em suas engomadas, alvíssimas camisas?
Olha os mais taludos porquinhos
em algazarra na imundície
com camisas alvíssimas a folgar por aí.

Em seus chiqueiros, plenamente protegidos,
ao que vai por aí nem ligam.
Nos olhos deles falta uma coisinha:
precisam mesmo é de suma porcaria.

Por toda parte há muitos porquinhos
vivendo suas porquinhas vidas.
Podes vê-los para o jantar saindo
com suas porquinhas mulherinhas
de garfo e faquinha para comer presunto.
 

WHY DON'T WE DO IT IN THE ROAD?
          (John Lennon - Paul McCartney)

Why don't we do it in the road?
No one will be watching us
Why don't we do it in the road?
 

E POR QUE NÃO AQUI NA ESTRADA?
          (tradução: Carlos Drummond de Andrade)

E por que não aqui na estrada?
Não há ninguém para ver nada
E por que não aqui na estrada?
 

Drummond: 100 anos
Carlos Machado, 2002

Traduções:
Carlos Drummond de Andrade
Revista Realidade
março, 1969