Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002
Caríssimos, esta é
mais
uma
edição
especial.
O
que
vocês
vão
ler
ao
lado
não
está
em
livrarias
brasileiras.
Vera
Lúcia de
Oliveira,
uma
amiga
paulista
que
vive na Itália, enviou-me
um
punhado
de
traduções
publicadas na
língua
de Dante
para
algumas
jóias
da
poesia
de Drummond.
Professora de
literatura
e
também
poeta
com
vários
livros
premiados,
em
português
e
em
italiano,
Vera
juntou algumas
traduções
de
sua
própria
lavra
e outras do italiano Antonio Tabucchi,
que
já verteu
para
seu
idioma
muitos
dos
poemas
de
Fernando Pessoa. Poeta
e romancista, considerado um dos mais importantes escritores contemporâneos
da Itália, Tabucchi publicou
uma
antologia
chamada
Sentimento
del Mondo com
textos traduzidos do poeta de Itabira.
Vera,
leitora deste
correio
poético,
também
nos
chama
a
atenção
para
o
fato
de
que
a
versão
de Tabucchi
para
"No
meio
do
caminho"
é
superior
àquela
que
incluí
aqui
na
edição
n. 4, assinada
por
Ruggero Jacobbi.
Feitas
as
apresentações,
passemos à
poesia.
Dos
textos
enviados
por
Vera,
escolhi
quatro:
duas
traduções
dela e duas de Tabucchi. As primeiras
são
"Mani Allacciate" ("Mãos
Dadas") e "Confessione" ("Confissão");
e as outras, "Liquidazione"("Liquidação")
e "I Morti" ("Os
Mortos"),
dois
poemetos
de
fina
sensibilidade
do
mestre
Drummond.
Obrigado
à
Vera
Lúcia de
Oliveira
por
essa
oportunidade
de
ler
nosso
poeta
em
sonoridade italiana. Se quiserem
ver
mais
amostras
do
trabalho
da
Vera
Lúcia, dêem uma
passada
no
site
dela:
http://www.veraluciadeoliveira.it/
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MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da
[
janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os
[ homens
presentes,
a vida presente.
In Sentimento do Mundo
José Olympio, 1940
© Graña Drummond
Mani allacciate
Tradução: Vera Lúcia de Oliveira
Non sarò il poeta di un
mondo caduco.
Non canterò neppure il mondo futuro.
Sono legato alla vita e guardo i miei compagni.
Sono taciturni ma nutrono grandi speranze.
In mezzo a loro, scruto l'enorme realtà.
Il presente è immenso, non allontaniamoci.
Non allontaniamoci troppo, teniamoci per mano.
Non sarò il cantore di una donna, di una storia,
non dirò i sospiri all'imbrunire, il paesaggio visto dalla
[ finestra,
non distribuirò narcotici o lettere di suicida,
non fuggirò alle isole né sarò rapito dai serafini.
Il tempo è la mia materia, il tempo presente, gli uomini
[ presenti,
la vita presente.
•••o•••
CONFISSÃO
Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde, ao voltar da festa.
Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.
Do que restou, como compor um homem
e tudo que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, murmúrios
de riso, entrega, amor e piedade?
Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro
— vinha azul e doido
—
que se esfacelou na asas do avião.
In Claro Enigma
José Olympio, 1951
© Graña Drummond
CONFESSIONE
Tradução: Vera Lúcia de Oliveira
Non ho amato abbastanza il mio simile,
non ho cercato il verme né curato la rogna.
Ho solo proferito qualche parola,
melodiosa, tardi, al ritorno della festa.
Ho dato senza dare e baciato senza baci.
(Cieco è forse chi nasconde gli occhi
sotto la branda). E nella mezza-luce
tesori si mutilano, i più eccellenti.
Di quel che è rimasto, come comporre un uomo
e tutto ciò che egli implica di soave,
di concordanze vegetali, sussurri
di riso, dono, amore e pietà?
Non ho amato abbastanza nemmeno me stesso,
seppure prossimo. Non ho amato nessuno.
Salvo quell'uccello - veniva azzurro e folle -
che si è sfracellato sull'ala dell'aereo.
•••o•••
LIQUIDAÇÃO
A casa foi vendida com todas as lembranças
todos os móveis todos os pesadelos
todos os pecados cometidos ou em via de cometer
a casa foi vendida com seu bater de portas
com seu vento encanado sua vista do mundo
seus imponderáveis
por vinte, vinte contos.
In Boitempo
José Olympio, 1968
© Graña Drummond
LIQUIDAZIONE
Tradução: Antonio Tabucchi
La casa è stata venduta con
tutti i ricordi
tutti i mobili tutti gli incubi
tutti i peccati commessi o in procinto di essere
[ commessi
la casa è stata venduta col suo sbattere di porte
col suo vento incanalato la sua vista sul mondo
i suoi imponderabili
per venti, venti soldi.
•••o•••
OS MORTOS
Na ambígua intimidade
que nos concedem
podemos andar nus
diante de seus retratos.
Não reprovam nem sorriem
como se neles a nudez fosse maior.
In Lição de Coisas
José Olympio, 1962
© Graña Drummond
I MORTI
Tradução: Antonio Tabucchi
Nell'ambigua intimità
che ci concedono
possiamo camminare nudi
davanti ai loro ritratti.
Non hanno riprovazione né sorriso
come se in essi la nudità fosse maggiore.
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