Número 32

Sexta-feira, 15 de novembro de 2002 

"A guerra assume tantos disfarces que às vezes é chamada de paz." (C.D.A.)

Drummond saúda Pessoa

Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002


Fernando Pessoa, por
Almada Negreiros

Ao lado, dois poemas de Drummond que estabelecem um diálogo explícito com o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935). O "Sonetilho do Falso Fernando Pessoa" veio a público em 1951. Nele, Drummond tenta escrever com "astúcias" e "fingimentos" típicos de Pessoa. Já em  "As Identidades do Poeta" que está em Farewell, livro póstumo lançado em 1996 ―, o mestre itabirano tenta desvendar (mas no final desiste) o mistério dos múltiplos poetas residentes em "Fernando Reis de Campos Caeiro Pessoa".

Mais Fernando Pessoa neste endereço.
 

DRUMMOND FADISTA

O jornalista Bias Arrudão, que acompanha bem a evolução da moderna música portuguesa, chama a atenção para outra aproximação de Drummond com artistas lusos. Ele informa: a cantora e compositora Amélia Muge musicou o poema "Ainda que mal" (boletim n. 31), que se tornou a letra do fado "Ainda que". A canção foi gravada no CD Paixões Diagonais, da fadista Mísia, lançado no Brasil pela Warner em 1999. Aparentemente, esse disco está fora de catálogo.

Ouça o fado "Ainda que". Basta clicar aqui.

SONETILHO DO FALSO FERNANDO PESSOA

Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto
muitas há que não vi.

Sem mim como sem ti
posso durar. Desisto
de tudo quanto é misto
e que odiei ou senti.

Nem Fausto nem Mefisto,
à deusa que se ri
deste nosso oaristo,

eis-me a dizer: assisto
além, nenhum, aqui,
mas não sou eu, nem isto.

Carlos Drummond de Andrade
In Claro Enigma
José Olympio, 1951
© Graña Drummond


 

AS IDENTIDADES DO POETA
                    (trecho)

(...)

Fernando Pessoa caminha sozinho
pelas ruas da Baixa,
pela rotina do escritório
mercantil hostil
ou vai, dialogante, em companhia
de tantos si-mesmos
que mal pressentimos
na seca solitude
de seu sobretudo?

Afinal, quem é quem, na maranha
de fingimento que mal finge
e vai tecendo com fios de astúcia
personas mil na vaga estrutura
de um frágil Pessoa?

(...)

Carlos Drummond de Andrade
In Farewell
Record, 1996
© Graña Drummond

Drummond: 100 anos
Carlos Machado, 2002