Casimiro de Brito
Caros amigos,
O boletim desta semana fica a cargo do colega jornalista Maurício Bonas, que apresenta o poeta português Casimiro de Brito. Com a palavra,
Maurício Bonas:
•
•
•
Casimiro de Brito. Esse português de Loulé, nascido em 1938 e pouco conhecido
dos brasileiros, é um aprendiz sensorial da vida. Todo ele tato e antenas, é o
observador quase distraído que canta a poeira equilibrada no raio de luz
matinal, as sombras matizadas do verão e os subsolos, os largos dias e,
principalmente, o Sol.
Apolíneo e fascinado com as imagens e sensações que o mundo entrega para logo
mais retomar, Casimiro de Brito é, acima de tudo, um poeta de paixões: mesmo
quando fala em amor e em permanências, está louvando o momentâneo, o sentimento
que queima, está brindando pela vida, chama ligeira, e pelas revelações
avassaladoras que contêm todo o tempo em um mísero instante.
E, como devoto de Apolo — saiba ele ou não —, os momentos extremos da paixão
estão também em seus ‘versos de fogo’: neles, nascimento e morte formam um único
clarão cujo entremeio é composto pelas surpresas das descobertas de que há
universos escondidos sob a pele por vezes grosseira da realidade.
Para quem ama mais as avalanches que os regatos de montanha, duramente escolhi
“O Nascimento”, do livro Mesa do Amor (1970), e “O Poema”, de Jardins
de Guerra (1966).
Maurício Bonas
•
•
•
P.S.: Além dos poemas selecionados por Maurício Bonas, acrescentei dois haikais de Casimiro de Brito, colhidos no livro
Intensidades.
Um abraço,
Carlos Machado
• • •
Se você tem curiosidade em saber o que andam escrevendo os novos poetas
brasileiros, dê uma olhada no n. 2 da revista Cacto. Trata-se de uma
publicação simpática, em forma de livro, e centrada essencialmente em poesia
(texto e crítica). Para mais detalhes sobre a Cacto, clique no link:
Revista
Cacto.
|
Um poeta de paixões
|
Casimiro de Brito |
|
Abel Manta, português, Retrato de Berta Mendes
O NASCIMENTO
Nasces no instante em que tomo
consciência de estar só
Nasces no deserto das minhas mãos
no espaço que separa as coisas
umas das outras nasces renasces
no mar que se visita ó sabor do sol
de olhos abertos
Nasces no instante em que tomo
nas mãos o peso da morte o peso
deste pobre movimento que nos vem
do centro da terra ó vinho ó repouso
infinito
Abel Manta, Nella Maissa
O POEMA
Poemas, sim, mas de fogo
devorador. Redondos como punhos
diante do perigo. Barcos decididos
na tempestade. Cruéis. Mas de uma
crueldade pura: a do nascimento,
a do sono, a da morte.
Poemas, sim, mas rebeldes.
Inteiros como se de água, e,
como ela, abertos à geometria
de todos os corpos. Inteiros
apesar do barro e da ternura
do seu perfil de astros.
Poemas, sim, mas de sangue.
Que esses poemas brotem do
oculto. Que libertem o seu pus
na praça pública. Altos, vibrantes
como um sismo, um exorcismo
ou a morte de um filho.
Abel Manta, Maçãs, ou Retrato de Deolinda Júlio
55
Cidade caótica —
A borboleta atravessa a rua
Com o sinal vermelho.
63
Ontem caminhei
Nos campos de chuva; hoje
chove dentro de mim.
|