Maria Lúcia Martins
Caros amigos,
A poesia de Maria Lúcia Ribeiro Martins (Jequié-BA, 1936) é, por vocação, lírica e límpida.
Seus versos, muitas vezes, são tocados de uma pureza primordial, algo com sabor
de água da fonte, chuva, folha miúda.
Veja-se, por exemplo, o ritmo envolvente e silvestre dessas "Garças". Tudo aí é
natural, e cresce como ave que vai conquistando espaço em seu vôo. Ou como a
tarde que avança da sede do meio-dia para o recolhimento do crepúsculo. Água,
asas, areia.
O poema ao lado faz parte do livro A Condição de Pégaso, volume que reúne
poemas de Maria Lúcia Martins escritos até o ano 2000. Saudada por poetas e
críticos como Ruy Espinheira Filho, Antonio Carlos Secchin e Ferreira Gullar,
Lúcia oferece, nesse vôo do Pégaso, uma expressiva amostra de seu trabalho. Seu
território é o vôo sutil. Ela mesma o anuncia: "Quando nasci,/ meu destino era
um cavalo/ invisível'.
O volume A Condição de Pégaso, publicado na Bahia, terra natal de Maria
Lúcia, será lançado agora em janeiro, no Rio. Local e data: Paço Imperial, dia
15/01/2004, quinta-feira.
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Um abraço, e boas festas,
Carlos Machado
NOTA
A poeta Maria Lúcia Ribeiro Martins faleceu em 2016.
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A dança das garças
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Maria Lúcia Martins |
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GARÇAS
Antes não havia garças. (Antes
dos ventos).
Restos de estrelas navegavam a noite
(a nuvem escura)
e se alvejavam em seixos e ossos.
À mesma noite
acrescentam-se sombras: eram as penas
e a plumagem.
As garças não eram feitas: surgiam. Leves,
feitas de vôo
(o vôo primeiro). Garças de asas
emendadas em asas,
as garças passam penhascos, além,
os prados cinza.
O verde inda é longe. Longe, as aves
adivinham a terra.
As garças descem (como atraídas) e
sentem a primeira
sede. A água compreendida pela
sede. Jamais
a informação da água: as garças gestadas
de puro vôo.
Nos ventos, o olhar
enfastiou-se.
As garças buscam clarão de madrugadas
(ou de crepúsculos: nenhum sinal
por distinguir a cor das horas).
As garças pisam areias virgens
(imprimem sua chegada: a cruz aberta)
beiras de charcos, beiras de lagos,
restos de mar incendiados ao meio-dia.
Às vezes, as garças se animam
com o assovio dos ventos chamando
a noite. E dançam. Dançam o passado
cravado às asas. Nunca procuram
caminhos de volta: foram apagados.
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