Amigas e amigos,
O boletim poesia.net começa o ano de 2020 com atraso de um mês. Deveria ter retornado em fevereiro, mas problemas, como se diz, “de força maior” impediram o boletineiro de entrar em ação.
Esta edição traz de volta a poeta gaúcha Ana Santos (Porto Alegre, 1984), que já esteve aqui no boletim n. 394,
dois anos atrás. Desta vez, a atenção concentra-se no livro Fabulário (Confraria do Vento, 2019), com o qual a autora conquistou o Prêmio Minas Gerais de Literatura de 2017 na categoria Poesia.
Em Móbile (Patuá, 2017), seu livro de estreia em poesia, Ana Santos já apresentava um trabalho de muita consistência. A promessa se confirma plenamente nesse premiado Fabulário.
Acredito, inclusive, que a nova coletânea traz um lirismo mais límpido e ainda mais envolvente.
O tom continua sendo discreto e sutil, porém as ideias e metáforas parecem mais próximas do cotidiano, seja pelo lado real, seja pelas pitadas de surrealismo que vez por outra surgem no cenário.
Não estranhem esta observação sobre realiade e surrealismo: afinal, o cotidiano é a fonte maior de fatos considerados absurdos.
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Na miniantologia ao lado, selecionei cinco poemas do Fabulário de Ana Santos. O primeiro é esse delicioso “Retrato de Família”.
Guiado pela mão de uma antiga criança, o pincel que descreve o clã familiar vai desenhando pessoas (em boa parte já mortas).
O poema seguinte, “Curtas”, apresenta duas cenas independentes e brevíssimas, como se fossem pequenos filmes. O ponto comum entre elas é que ambas apresentam histórias dolorosas de mãe e filho.
“O menino da sua mãe”, como diria Fernando Pessoa.
Vem agora “Palimpsesto”, um metapoema que se põe a pensar sobre a tristeza que envolve um texto poético não lido. O que torna tudo mais pungente é que essa tristeza se mostra na forma de pessoas
e objetos concretos: “frutas podres no cesto, / os olhos / dos cães perdidos” ou um velho falando com as paredes. Com esse tratamento, Ana Santos constrói um lirismo palpável, que tem peso, corpo,
nome — e dói.
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Em “Notícia de jornal”, a autora nos brinda com uma graciosa e ao mesmo tempo trágica história circense. Como se trata de um texto jornalístico, o fato principal é anunciado logo nos primeiros versos: “Morreu ontem, após tombar / da altura de quinze metros, / a trapezista / Marion Labelle, 23, / no célebre / Cirque d’Hiver.”
Os versos seguintes descrevem a reação da plateia e de outros artistas do circo. A “reportagem” termina com indagações (“Que vórtice /
tragou Marion? / De que céu / ela pende agora?”) às quais o jornal, até o fechamento da edição, não pode fornecer respostas. Talvez esclareça tudo no dia seguinte. Ou, o que é mais provável, nunca.
O último poema da minisseleção é “Discurso de um louco em praça pública”. Senhoras e senhores: deliciem-se com a criatividade desse homem que, sem trocar de roupa, assume as personalidades
de Lady Godiva, dançarino cigano, borboleta, arlequim — e ainda carrega a Lua como uma pedra no sapato.
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Nascida em Porto Alegre, onde reside, Ana Santos é graduada em jornalismo pelo UFRGS, mestra e doutoranda em Estudos de Literatura pela mesma universidade. Poeta e contista, publicou O que faltava ao peixe
(Libretos, 2011, contos); Móbile (Patuá, 2017, poesia); e Fabulário (Confraria do Vento, 2019, poesia). Este último livro foi contemplado com o Prêmio Minas Gerais de Literatura
2017, na categoria poesia.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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Capa da publicação
LAUDELINAS, O GRITO
DAS MULHERES
Mais de 40 poetas-mulheres e outras artistas de todo o Brasil reuniram-se na publicação Laudelinas, uma reunião de poemas, artigos e imagens que se opõe à realidade política atual.
A apresentação diz: “Laudelinas é uma provocação, um desabafo, uma canção de denúncia e de resistência em um dos momentos mais nefastos da história do país. Nasce como uma coletânea de depoimentos,
artigos, poesias, contos, fotografias e performances que procuram traduzir as constantes lutas das mulheres de diferentes etnias, trans e cis.”
O nome Laudelinas é uma homenagem a Laudelina de Campos Melo, filha de trabalhadores escravizados e criadora do primeiro sindicato das domésticas no Brasil, em 1936. Coordenada pelas
pernambucanas Taciana Oliveira, cineasta e poeta, e Rebeca Gadelha, artista digital e geógrafa, a publicação pode ser baixada em formato PDF
neste endereço.