Cecília, por Arpad Szenes
Caros,
A Cecília Meireles mais citada e conhecida é aquela das belas canções suaves e
evanescentes, profundamente musicais. Esse lado da poeta é tão forte que quase
faz esquecer um outro, igualmente expressivo. Trata-se da Cecília que
transfigura em poesia situações mais concretas da vida.
E essa Cecília existe. Esplendorosamente. Veja-se o estupendo trabalho que é
O Romanceiro da Inconfidência (1953). Não é tarefa simples colocar em versos
— e que versos! — toda a
trama histórica dos inconfidentes mineiros. Essa mesma Cecília é a autora do
poema ao lado, "Lamento do Oficial por seu Cavalo Morto".
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Nestes versos de Cecília subjaz uma decidida condenação à guerra e ao uso da
ciência e da tecnologia como armas de dominação e destruição. Uma nota lírica e
humana perfeitamente válida nos dias atuais, quando o governo americano ensaia
mais uma aventura imperial e belicista, de imprevisíveis conseqüências.
Ah, "nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra"...
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
Veja outros poemas de Cecília Meireles nos boletins:
- poesia.net n. 260
- poesia.net n. 261
- poesia.net n. 267
- poesia.net n. 278
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Em séculos de sombra
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Cecília Meireles |
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LAMENTO DO OFICIAL POR SEU CAVALO MORTO
Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pela nossa cabeça embrulhada em séculos de
[ sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas
[ ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem
[ explicação.
Criamos o fogo, a velocidade, a nova
[ alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que
[ pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens,
[ nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!
E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha
[ que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não
[ sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado —
melhor que nós todos! —
[ que tinhas tu com este
[ mundo dos homens?
Aprendias a vida, plácida e pura, e
[ entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos
[ decifravam...
Rei das planícies verdes, com rios trêmulos
[ de relinchos...
Como vieste a morrer por um que mata seus
[ irmãos?
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